Morre Tula Pilar, poetisa da periferia

Escritora, que foi empregada doméstica e descobriu a poesia nos saraus da periferia, teve parada cardíaca, aos 49 anos. Em 2017, Tula participou de um debate organizado pelo CineB.

Tula Pilar lê sua poesia publicada na coletânea “Sarau do Binho”

O projeto CineB lamenta a precoce morte de Tula Pilar Ferreira, a poetisa da periferia. Tula, segundo os sites de notícia, teve uma parada cardíaca na última quinta-feira, (11/04). Ex-empregada doméstica, babá e cozinheira, não aguentava calada os abusos cometidos pelas patroas que passaram por sua vida, e encontrou na poesia a ferramenta de expressão da sua trajetória e combate às opressões. Segundo comunicado da família, a escritora não se sentia bem há uma semana e chegou a ser levada para o Pronto Socorro Dr. Akira Tada, em Taboão da Serra, após passar mal.

A artista, que ganhou reconhecimento por participar e organizar saraus na periferia de São Paulo, trabalhava de forma independente com sua poesia e como vendedora da revista Ocas. Além disso, publicou os livros “Palavras Inacadêmicas” (2004), “Sensualidade de fino trato” (2017), e participou do “Negras de Lá, Negras Daqui”, lançado em fevereiro deste ano.

Tula, no debate, ao lado do cineasta Fabio Nunez, do diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Julio César Silva Santos entre outros

Em 2017, Tula participou de um debate organizado pelo CineB na UniSant’Anna, um centro universitário localizado na Zona Norte de São Paulo, após a exibição do documentário “Nega Que é Nega Não Nega Ser Nega Não!” de Fábio Nunez. No debate, a poetisa contou sua trajetória e sua luta por buscar sobreviver das poesias que escrevia e de sua militância poética, e chegou a fazer uma performance como a que fazia nos saraus da periferia que frequentava (veja a matéria aqui).

À reportagem do CineB, falou sobre sua participação no debate, que foi acompanhado por alunos de graduação das áreas de pedagogia, geografia, história, educação física e arquitetura da universidade: “Eu achei maravilhosa a interatividade das pessoas no debate, a curiosidade e a atenção que eles nos deram. Porque tem universidade que não nos dá essa atenção. Ficaram até tarde, e vieram falar comigo, perguntar. Eu gosto muito disso, dessa interatividade. E essa turma de pedagogo muito me agrada, porque o pedagogo é o principal [educador] para resgatar nossos jovens, nossas crianças, nas escolas públicas e particulares, porque a gente precisa colocar a história do povo brasileiro lá, a história da negrada, dos índios”, comentou.

Tendo como inspiração a escritora Carolina de Jesus, que se revelou para o mundo nos anos 1960 com o livro “Quarto de despejo”, Tula deixou uma poesia em homenagem à sua referência.

“Sou uma Carolina”, por Tula Pilar Ferreira
“Sou uma Carolina
Trabalhei desde menina
Na infância lavei, passei, engraxei…
Filhos dos outros embalei
Sou negra escritora que virou notícias nos jornais
Foi do Quarto de Despejo aos programas de TV
Sou uma Carolina
Escrevo desde menina
Meus textos foram rasgados, amassados, pisoteados
Foram tantos beliscões
Pelas bandas lá de Minas
Eu sou de Minas Gerais
Fugi da casa da patroa
Vassoura não quero ver mais
A caneta é meu troféu
Borda as palavras no papel
É tudo o que quero dizer
Sou uma Carolina
Feminino e poesia
A negra escritora que foi do Quarto de Despejo
aos programas na TV
Hoje uso salto alto
Vestido decotado, meio curto e com babados
Estou na sala de estar
No meu sofá aveludado
Porque…
Sou uma Carolina
Feminino e poesia
Pobreza não quero mais
A caneta é meu troféu
Borda as palavras no papel
É tudo o que quero dizer…
Carolina…”

Carlos Rizzo, com informações do site Brasil de Fato e Jornalistas Livres

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *