O CineB, projeto de democratização do cinema brasileiro, parceria entre o Sindicato dos Bancários de São Paulo e a Brazucah Produções, exibiu, dia 28/8, no Auditório Amarelo, o documentário “Fios de Alta Tensão”, de Sérgio GAG, em comemoração ao Dia do Bancário.
O cabelo é uma importante forma de expressão e de identidade. E foi assim, ao retratar como o cabelo, penteados e adereços são usados para forjar identidade de grupos sociais, que o CineB comemorou o Dia do Bancário, na última quarta-feira, 28/8. Foi a pré-estreia do documentário “Fios de Alta Tensão”, de Sérgio GAG, no Auditório Amarelo, localizado na sede do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, região central de São Paulo.
“Fios de Alta Tensão” fala de sociedade e cultura, de comportamento e identidade no Brasil. Fala também sobre contradições históricas e contemporâneas. “O cabelo fala muito a respeito de cada um de nós. Com essa convicção fomos a Belém do Pará, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo conversar com pessoas que representam a heterogênea população brasileira. Uma amostra que valoriza a diversidade de gênero, étnica, etária, geográfica e socioeconômica, encontrando afinidades onde não se espera e trabalhando em paralelo as afirmações das identidades de grupo e individuais”, destaca GAG, no material de divulgação.
Em muitos casos o cabelo é também contestação e confronto, seja para negras e negros afirmando sua origem e sua luta contra o preconceito, seja para adolescentes que se valem dele para assumir um posicionamento autônomo no mundo, ou ainda para quem assume os cabelos brancos, para quem assume a calvície e tantas outras afirmações frente às doutrinas estéticas difundidas pelos meios de comunicação de massa.
GAG conta que o filme está circulando em festivais. Já foi selecionado na Alemanha, Belém do Pará, no Maranhão, Brasília e Belo Horizonte entre outros. Na sequência, vai tentar as salas de cinema. Para o cineasta, que integra a DGT Filmes, produtora que está comemorando 20 anos, o maior gargalo do audiovisual atualmente é a distribuição. “No ano passado foram 180 filmes brasileiros lançados e muitos foram feitos e não lançados. A maior dificuldade não é produzir um filme, mas fazê-lo circular. Então, um projeto como o CineB cumpre um papel social importante para quem assiste, que tem acesso a uma produção diferenciada, e para quem faz, para poder levar seu trabalho para as pessoas. Porque o filme acontece na hora que ele é assistido”, revela GAG.
A sessão contou com a presença de diretores do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região como Marcelo Gonçalves, diretor Cultural, que fez a abertura da atividade relembrando o importante papel que a cultura tem na resistência e na luta em defesa dos direitos, Ernesto Izumi, diretor de Organização e Suporte Administrativo e Ana Marta Lima que integra o Coletivo de Combate ao Racismo do Sindicato, e participou da mesa de debate, ao lado do coordenador do CineB, Cidálio Vieira Santos, da diretora da Brazucah Produções, Cynthia Alario, do diretor do documentário Sérgio GAG e do produtor do filme, Well Darwin.
Para Ana Marta, a sessão foi um presente no Dia dos Bancários. Ela contou que para atender as exigências do banco em que trabalha, ficou anos alisando seu cabelo. Até que um dia decidiu nunca mais alisar, o que foi um susto para quem trabalhava com ela. “O filme é representativo, de resistência, de afirmação, lembrei da minha infância e adolescência. Acho que todos têm que ter a oportunidade de assistir um filme desse, porque acho que vai se enxergar e vai começar a respeitar a posição a afirmação do outro”, destaca.
O público que foi ao Auditório Amarelo estava formado por bancários, lideranças comunitárias e de movimentos sociais e estudantes, como é o caso de Tiago Mendes de Almeida, aluno de Rádio e TV da Fiam-Faam que se aprovou a temática abordada pelo documentário: “Foi muito mais do que esperava, e a minha identificação foi por conta do meu cabelo, black. Gostei muito do filme e tive a curiosidade de fazer uma pergunta na hora do debate sobre esse conceito do audiovisual”, comentou ao final da sessão.
Ediane Maria do Nascimento que atua na organização, comunicação e cultura do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) lembrou das sessões que o CineB Solar realizou nas ocupações Povo Sem Medo, em São Bernardo do Campo, e Marielle Franco, no Grajaú. “Vim prestigiar porque para mim abre um leque, você começa a observar o filme e começa a se imaginar dentro dele, porque são histórias reais. Não é uma ficção, é uma história que eu posso compartilhar na minha comunidade, nas ocupações. Não precisa ser um ator famoso, é povo do povo. Isso para mim é o que enriquece, que me faz vir ao CineB”, comenta.
A sessão contou até com um público que foi ao CineB pela primeira vez, como foi o caso do jornalista Samuel Antenor. Morador e ativista cultural da Penha, quer organizar sessões de cinema no Largo do Rosário, “que lembra uma praça do interior e é onde as pessoas se reúnem para os eventos culturais. Eu vim conhecer o projeto, gostei muito da ideia, adorei o filme, e a discussão que veio em seguida foi muito rica. Estou bem contente de ter vindo aqui hoje”, finaliza.
SOBRE O CINEB
O CineB é um circuito itinerante de cinema realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Brazucah Produções. Desde 2007, o já atingiu um público superior a 66 mil espectadores em mais de 550 sessões gratuitas realizadas em comunidades e universidades de São Paulo. A iniciativa busca democratizar o acesso ao cinema nacional e divulgar os filmes produzidos no Brasil. Já foram exibidos na tela do CineB mais de 130 longas-metragens e 80 curtas-metragens, além da realização de pré-estreias exclusivas.
Texto e fotos: Carlos Rizzo
Assisti ao filme e aí vai a minha opinião.
A primeira sensação que me ocorreu, foi provocativa: se o Lula tivesse participado e ganhado as eleições, provavelmente esse filme seria culturalmente consumido como um faroeste nordestino, uma espécie de cangaço que articula as tecnologias da comunicação com a tradicional ação guerrilheira de Lampião em defesa do nordestino sofrido.
Mas a conjuntura é reacionariamente outra. E como a arte sempre exerce uma função social condicionada pelo momento histórico no qual se realiza, acho que Bacurau pode ser “consumido” hoje como uma alegoria papo reto contra a ultradireita fascista e seus astecas.
Isso porque o faroeste insano retratado no filme, pode ser subjetivamente contextualizado tanto no sujeito fascista de Bolsonaro, como nas milícias e policias que matam nas periferias em nome da ordem e da paz da propriedade privada do capital.
E ainda. O filme apresenta de forma forte e significativa o indivíduo patriótico que justifica a necessária violência em nome de uma raça humana superior. Alegoriza a criminalização das reivindicações básicas por água, educação, saúde e dignidade. Com destaque para a hipocrisia da representação política “democraticamente” eleita, que arroga defender e cuidar dos cidadãos bacurianos, enquanto contrata mercenários para liquidar a comunidade “rebelde” que teima em não se submeter (ainda que tenham que consumir psicotrópicos para resistir).
Também vale a pena atentar para as problematizações metafóricas específicas entre a tragédia ficcional e seus personagens. Por exemplo, na condição de miséria e opressão em que vivem, dramatiza como os sujeitos lidam com a hipocrisia da moralidade e da ética. Como a comunidade compreende a função social contraditória entre o sujeito criminoso e o sujeito político. Como agem coletivamente para superar a condição de uma comunidade alienada e submissa, subvertendo a ordem e se rebelando contra a opressão.
Foi curioso que em alguns momentos de violência exacerbada no filme, ocorreram aplausos e até agito de pessoas vangloriando o enfrentamento direto e a morte dos mercenários. Sujeitos que estavam a serviço não apenas da dominação e opressão sociopolítica e ideológica, mas também atuavam pela mera satisfação pessoal de matar o outro inferior. Inclusive, na saída, um grupo debatia divergências se era ou não correto aplaudir aquele tipo de violência contra os mercenários, se isso não nos tornava igual a eles.
Acho muito bom e necessário esse debate provocado pelo filme. Porque problematiza a prática da violência como opção de indivíduos ou como uma condição coletiva de existência. Ou seja, os mercenários e o político (prefeito) praticam a violência como uma opção estratégica para controlar e oprimir, submetendo e matando. Nesse contexto, a comunidade passa a praticar a violência não apenas para se defender, mas também para superar a opressão e se emancipar. Para derrotar e expurgar a opressão. Não por opção, mas por uma condição imposta pelo poder da opressão. É morrer ou matar, mas a serviço do quê? Creio que a música cantada no filme por Vandré, responde a essa questão.
Convém ressaltar que a comunidade que foi à luta, não é composta por personagens militantes de esquerda ou ativistas, mas por sujeitos individualmente carregados de preconceitos, religiosidade, oportunismos e falsa moral. Mas que vivem na mesma condição explorada e oprimida de existência. Uma vez liberta, a comunidade pode tratar de superar essas contradições e promover a emancipação da individualidade humana. Nesse sentido, vejo como uma bela metáfora potencializada no filme.
Por fim, achei muito significativa a opção do diretor em desmoralizar o político colocando-o sobre um burrico, e enterrando o sujeito-líder fascista. Um bom filme. Mediano enquanto linguagem cinematográfica, mas significativo enquanto valor e discurso em favor da auto-organização das lutas das trabalhadoras e trabalhadores.
Mário Sérgio Godoy
Outubro/2019.