O CineB Solar esteve, na última sexta-feira, 1º de novembro, na Ocupação Vila Nova Palestina, do MTST, para exibir o longa-metragem Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Após a sessão, ao ar livre, FurmigaDub e seu bando soltou o som.

Foi uma noite pra lá de especial. A Ocupação Vila Nova Palestina do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), localizada na região do Jardim Ângela, Zona Sul de São Paulo, recebeu o CineB Solar para exibir “Bacurau”, o atualíssimo filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que trata da luta e resistência de um povoado no sertão nordestino contra a violência que de repente ataca a comunidade.
Bacurau está em cartaz no cinema comercial e foi liberado pela Vitrine Filmes para rodar o projeto no intuito de levar o cinema brasileiro e o debate à população que não tem condições de ir a uma sala de cinema. No dia 9 de outubro, Bacurau fez a estreia no CineB Solar com exibição simultânea em três auditórios na sede do Sindicato dos Bancários (veja a matéria aqui). E na última sexta-feira, 1º de novembro, foi a atração na maior ocupação do MTST na cidade de São Paulo, que surgiu em 2013 e se tornou referência de luta e organização do povo por moradia e direitos sociais.

A sessão reuniu uma multidão. Quase 500 pessoas com suas cadeiras identificadas com o logo do CineB Solar ocuparam uma grande área em frente ao barracão da coordenação do MTST e de onde se destacava a enorme tela que transformou o espaço numa sessão de cinema ao ar livre e o veículo responsável por captar e armazenar a energia solar que alimenta o sistema de som, projeção e iluminação do projeto.
Segundo o coordenador do CineB Solar, Cidálio Vieira Santos, foi uma das maiores sessões que o projeto já realizou em quase 13 anos de estrada e a segunda vez que esteve na Vila Nova Palestina. Na primeira, em 2018, foi exibido o filme “Encantados” de Tizuka Yamazaki (veja aqui como foi a sessão). “Estivemos em várias ocupações levando o cinema brasileiro para o povo que luta por moradia: primeiro foi em São Bernardo, na Ocupação Povo Sem Medo, em 2016. Depois estivemos no Grajaú, na Ocupação Marielle Franco, na ocupação em Capão Redondo e aqui por duas vezes. Mas hoje é especial pelo tamanho da atividade e importância por trazer um filme como esse para o povo da ocupação conhecer”, destaca.

A diretora da Brazucah Produções, Cynthia Alario, responsável por implantar, no Brasil, a ideia de exibir sessões de cinema através da energia solar, lembrou que o direito à cultura é um princípio fundamental do ser humano. “A arte faz parte do nosso sonho, do nosso pensar e o CineB Solar contribui para isso. Hoje a gente reúne aqui cinema, poesia, literatura, música, cultura tradicional, pensando as linguagens artísticas dentro de uma ação maior.” Antes do filme principal, foram exibidos dois curta metragens: “Fábula de Vó Ita”, dirigida por Joyce Prado e Tallita Oshiro Meireles, e “Mestre da Parahyba: Dona Edite e Caiana dos Crioulos”, produzido pelo FurmigaDub e seu bando para o projeto Rumos do Itaú Cultural.
Segundo Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST, que participou da abertura da sessão ao lado de Santos, Cynthia e da coordenadora estadual do MTST, Jussara Basso, ter um projeto como o CineB Solar é essencial diante da ausência do poder público, sobretudo nas periferias, onde espaços de lazer e de cultura são praticamente ausentes. “Essa parceria com os movimentos sociais, vindo aqui para a ocupação no fundão do Jardim Ângela, passar um filem como Bacurau, é um baita exemplo, uma parceria que a gente tem que aprofundar ainda mais, porque tem muita gente aqui que nunca entrou numa sala de cinema, muita gente daqui que certamente não teria a menor oportunidade de assistir Bacurau se não fosse aqui, no CineB Solar na Nova Palestina, então vale muito a pena.”

Boulos comentou, na abertura da sessão, que Sônia Braga, que dos EUA mandou um recado especial para o público exibido nas telas do CineB Solar antes do filme, ligou para ele lembrando que quando foi gravar Bacurau no povoado da Barra, em Rio Grande do Norte, sentiu muita coisa parecido com a visita que tinha feito na Ocupação Povo Sem Medo, em São Bernardo do Campo, há dois anos. “Ela pediu para lembrar a história desse povoado e de tantos nordestinos e nordestinas desse país que historicamente sofreram com a fome, sofreram com a seca e que, lamentavelmente, com esse governo que a gente vive nesse país, voltaram a sofrer”, destacou.
Sônia Braga, que também atuou em outro filme de Mendonça Filho, “Aquarius”, que o CineB Solar exibiu em 2018, elogiou a iniciativa do projeto. “Parabéns pela linda noite! E obrigada por organizar este evento. Se eu estivesse no Brasil iria com certeza”, escreveu no Instagram de Cidálio Santos. Também o ator Thomás Aquino, deixou seu recado em uma mensagem exibida antes do filme.
O público, que não parou de chegar mesmo durante a exibição, aplaudiu o filme em vários momentos e ovacionou, ao final, por vários minutos, a obra que vem se tornando um marco da cinematografia nacional. “Trazer o cinema para a periferia, e ainda mais dentro de uma ocupação aonde jovens, adultos e crianças estão tão ausentes da convivência com a arte. O trabalho do CineB Solar é extraordinário”, elogiou Jussara Basso, uma das coordenadoras da ocupação.

A sessão contou com a presença da atriz Alli Willow, que faz o papel de uma gringa que integra o grupo de estrangeiros que pretende atacar o povoado. Alli, que mora em São Paulo e fez a série “O escolhido” na Netflix, entre outras obras, respondeu perguntas do público, tirou selfies e conheceu o veículo e o sistema de captação solar do projeto. “O cinema é o povo, é a plateia. Um filme desse, de resistência, precisa atingir quem está representado nele. Então é importantíssimo uma sessão como essa”, avaliou.
Para Luiz Cláudio Marcolino, idealizador do CineB quando era presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, e atual diretor da Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), Bacurau demonstra um pouco da dominação americana sobre o mundo,”como se a vida do ser humano, da população mais pobre e esquecida do nosso país, não valesse nada. Ao se organizar e resistir, o povo sobrevive e dá a volta por cima. As pessoas que estão sendo massacradas pelos norte-americanos, pelo neoliberalismo, uma hora vão dar a volta por cima”, reflete.

Foram inúmeras as manifestações de elogio ao filme e ao CineB Solar ao final da exibição. Enquanto Fabiano Formiga e Davi Neves se apresentavam e o historiador e professor da escola pública em Itapevi, Igor Martins Fontes, recitava um poema de João Cabral de Melo Neto, o público conheceu o sistema de energia solar que alimentou toda a exibição por mais de duas horas.
Adimar Paudiro, que trabalha com gesso, e Clarice Pinheiro, doméstica, que moram no acampamento há seis anos, e estavam acompanhados das filhas, aprovaram o filme: “mostra os problemas que a gente vive”, disse Clarice. Já Edivaldo Chagas Alves, promotor de vendas, acompanhado da esposa Maria das Graças e do filho Daniel Alves, moradores da ocupação desde o início, estavam numa sessão do CineB Solar pela segunda vez. “Achei o filme ótimo, e toda vez que tiver, vou estar presente”, pontuou.

Foi o caso de Maria Creuza, da ocupação do MTST do Capão Redondo, que foi festejar seu aniversário durante a sessão na Nova Palestina: “Quando vocês estiveram lá foi maravilhoso e eu estou aqui hoje porque gosto do projeto, quero ver ele novamente lá no Capão”, cobrou. Para nós, do CineB Solar, foi um grande prazer estar mais uma vez com esse povo tão lindo e sem medo, que luta por seus direitos e por um país mais justo. Que possamos levar muitos filmes como “Bacurau” para todas as ocupações do MTST e para todos aqueles lugares onde tem gente com sede de cultura e de justiça, que vivem para transformar a vida do povo brasileiro. Até a próxima ocupação!

SOBRE O CINEB SOLAR
O CineB Solar é um circuito itinerante de cinema realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Brazucah Produções. Desde 2007, o já atingiu um público superior a 66 mil espectadores em mais de 550 sessões gratuitas realizadas em comunidades e universidades de São Paulo. A iniciativa busca democratizar o acesso ao cinema nacional e divulgar os filmes produzidos no Brasil. Já foram exibidos na tela do CINEB mais de 130 longas-metragens e 80 curtas-metragens, além da realização de pré-estreias exclusivas.
Texto: Carlos Rizzo. Fotos Danilo Ramos e Paulo Perez (drone)
A apresentação do filme a céu aberto ganhou vida com a participação do público. Experiência única e que recomendo!
Parabéns ao CineB Solar e à toda comunidade da Ocupação Nova Palestina pela realização desse evento!