Foi uma sessão memorável. A Regional Paulista recebeu, na última quinta-feira, (23/6), a cineasta Tata Amaral para a estreia de seu mais novo filme. Trago Comigo traz a memória da ditadura civil-militar no Brasil. A diretora participou, ao lado da atriz Paula Pretta, de um debate com o público, que lotou o auditório.
O espaço Lélia Abramo, que fica na Regional Paulista do Sindicato dos Bancário de São Paulo, Osasco e região já foi palco de importantes atividades culturais na capital paulista, e mais uma vez fez jus à sua história: na última quinta-feira, 23/6, recebeu a cineasta Tata Amaral para apresentar Trago Comigo, seu mais novo longa-metragem. Com uma carreira de mais de 30 anos no audiovisual brasileiro, Tata lançou seis longas-metragens, dos quais quatro foram exibidos pelo CINEB: Antonia, Hoje, De Menor e agora Trago Comigo.
O filme conta a história do diretor de teatro Telmo, interpretada por Carlos Alberto Riccelli, que foi preso pela ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), e posteriormente exilado. Quando é convidado para dar uma entrevista, se dá conta de que não tem memória alguma dos meses que passou clandestino e de como aconteceu sua prisão. Através da peça de teatro que passa a montar junto com seu jovem elenco, ele vai estabelecer um diálogo com as novas gerações, mergulhar na sua própria história e na história de seu país. Vai revelar para si e para todos aquilo que, de tão doloroso, preferiu esquecer.
Trago Comigo está em cartaz em três cinemas da capital, além de Belo Horizonte, Brasília, Porto alegre, Curitiba e Rio de Janeiro. Segundo Tata Amaral, logo que se definiu a entrada no circuito comercial, a cineasta procurou Cidálio Vieira Santos, coordenador do CINEB para realizar uma sessão, “pois o projeto é um espaço já tradicional de exibição de filmes para um público que não vai ao cinema convencional, que é tocado mais pelo CINEB do que pelas salas convencionais”, explicou. Tata Amaral tem toda a razão. O espaço ficou pequeno para tanta gente que compareceu ao convite da estreia. Quase não havia espaço para caminhar entre as cadeiras e o público estimado foi de cerca de 135 pessoas. Estavam presentes muitos moradores da região central da cidade, mas também representantes de várias comunidades como Mário Balbino do movimento de moradia do Grajau e Willian Prado, do movimento de saúde de Parelheiros.
Também compareceram à sessão alunos da Escola Estadual (EE) José Liberatti, de Osasco, integrantes do Grêmio Estudantil da EE Dona Prisciliana Duarte, de Parelheiros e professores e alunos da EE Maria Eugênia Martins, do Jaguaré. A cinesta Cecília Engels, diretora do média metragem Aparthorta, que trata da alimentação sustentável e plantação de alimentos em áreas urbanas conversou com a plateia presente. Lançado em 2015, o filme tem rodado o circuitos de mostras de cinema e deve ser um dos próximos filmes a ser exibido pelo CINEB. “Conheci o CINEB recentemente. Eu moro aqui perto e vi o cartaz do Chico [Artista Brasileiro] quando passava com uma amiga. Entrei e gostei. Hoje trouxe minha mãe. O trabalho do CINEB é importantíssimo porque o maior problema do cinema brasileiro é conseguir chegar ao público”, explicou.
Tadeu Di Pietro, ator, diretor e produtor cultural também estava na plateia: “A Tata Amaral me convidou para o lançamento. Acho interessante o conceito do projeto, que é dar espaço às produções brasileiras. Até as produções de alto orçamento têm dificuldades de conseguir tela, então o que vocês fazem merece todo aplauso, principalmente porque vai a lugares onde o cinema brasileiro não chega”, elogiou.
Paula Pretta, integrante do elenco do filme de Tata Amaral e ex-bancária estava muito empolgada por voltar ao espaço Lélia Abramo depois de muito tempo. “Fiz muitas peças aqui nos anos 1990”, lembra. Sobre o filme, ela conta que foi uma coincidência do destino um filme feito em 2009, mas que conseguiu ser lançado somente agora, ser tão atual: “Foi um retrocesso sem fim para o país essa situação que vivemos, com uma parte da sociedade querendo a volta da ditadura. É como se o Brasil tivesse varrido para debaixo do tapete sua história”, explica.
Segundo a diretora Tata Amaral, um dos aspectos do filme é alimentar a discussão sobre fatos pouco conhecidos da época da ditadura civil-militar e as sequelas deixadas naqueles que viveram situações de violência em sua decorrência. Esta atitude fica evidente diante do fato de que o Brasil é um país que, ao contrário da Argentina e do Chile, por exemplo, nunca puniu os crimes de tortura.
Após a sessão, o público permaneceu para acompanhar o debate com a diretora. Ela explicou que o filme primeiro foi gravado para a série Direções da TV Cultura, exibido em 2009 em quatro capítulos. “Sabia que estava lidando com uma história importante, que atingiu muita gente, então tínhamos que tomar cuidado”, comentou em relação à temática da tortura e aos depoimentos verídicos que entrecortam as ações do filme. “No decorrer da produção eu fui percebendo que uma sociedade que não trata a questão da tortura, é uma sociedade que aceita a tortura. Até hoje ela é praticada. Em algum lugar do Brasil, uma pessoa está sendo torturada nesse momento pelo aparelho estatal”, destacou.
A diretora respondeu muitas perguntas do público, como a de Cidoli Araújo Lima, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé que abordou questões relacionadas aos nomes dos torturadores que foram propositadamente encobertos durante as entrevistas, ou o comentário de Marli Dias, professora de História e do diretor de Cultura do Sindicato dos Bancários, Marcelo Gonçalves sobre a relação geracional apresentada no filme e a intepretação da história feita pelos mais jovens atualmente. Gonçalves elogiou as temáticas dos filmes escolhidos para serem exibidos pelo CINEB na Regional Paulista em 2016, pois todos abordaram questões ligadas aos direitos humanos e a defesa da democracia. “O que a gente vive agora é uma outra forma de golpe, senão pela força, mas por uma articulação que derruba um governo democraticamente eleito. A elite econômica repete 64, então precisamos discutir, denunciar essa situação”, explica. Marquinhos Amaral, diretor do Sindicato dos Bancários elogiou a organização do evento: “O CINEB tem tido iniciativas incríveis. Exibir um filme tão importante como esse só reforça o importante papel cidadão que o Sindicato tem”, finaliza. Também estiveram presentes na sessão Cleuza Maria, do Projeto Travessia, Cecília Lotufo, do Movimento Boa Praça, Emília Afonso, conselho tutelar da Região da Lapa e o movimento Vizinhos do Temer contra o Golpe.
O CINEB é um circuito itinerante de cinema realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Brazucah Produções. Desde 2007, o já atingiu um público superior a 50 mil espectadores em quase 400 sessões gratuitas realizadas em comunidades e universidades de São Paulo. A iniciativa busca democratizar o acesso ao cinema nacional e divulgar os filmes produzidos no Brasil. Já foram exibidos na tela do CINEB mais de 75 longas-metragens e 50 curtas-metragens, além da realização de pré-estreias exclusivas.