O cinema tem de ir aonde o povo está

O CineB Solar esteve no último sábado, 30/6, na Ocupação Marielle Franco, no Grajaú, Zona Sul de São Paulo, para exibir o longa-metragem “A Menina Índigo” de Wagner Assis.

Povo Sem Medo na Ocupação Marielle Franco.

Mais de quatro mil famílias lutam, desde abril, pelo direito à moradia na Zona Sul de São Paulo, através da Ocupação Marielle Franco, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A luta diária dos moradores da maior cidade da América do Sul por trabalho, saúde e educação de qualidade, moradia e cidadania inclui, também, a busca por cultura e lazer. É o caso de todos que aproveitaram a agradável noite do último sábado, 30/06, para acompanhar uma sessão ao ar livre organizada pelo CineB Solar na Ocupação, localizada na Avenida Senador Teotônio Vilela, 6.400, na região do Grajaú.

O CineB Solar, projeto do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região em parceria com a Brazucah Produções leva, há 11 anos, o cinema brasileiro àqueles que não têm acesso à sétima arte. O CineB Solar une cultura e sustentabilidade porque toda energia utilizada nos equipamentos de exibição como projetor, som e iluminação vêm do sol. Placas fotovoltaicas são colocadas sobre o veículo do projeto e baterias armazenam a energia captada durante o dia para exibir os filmes à noite.

Pipoca gratuita para todos que estavam na sessão.

O estacionamento da Ocupação ficou lotado com as mais de 250 cadeiras levadas pela produção para acomodar o público que foi assistir ao filme. Muitos ainda ficaram de pé ou sentados no morro para acompanhar “A Menina Índigo”, de Wagner Assis, que conta a história de Sofia (Letícia Braga), uma garota de 7 anos que tem enfrentado problemas na escola por não se interessar pelas matérias ensinadas. Após se trancar em uma sala e pintá-la por completo, seu pai (Murilo Rosa) é chamado ao local. Meio afastado dela devido ao trabalho como jornalista, ele se reaproxima após o pedido da própria Sofia para que more com ele. Aos poucos, ele percebe que Sofia possui é uma criança bastante espontânea que se manifesta através da pintura, mas que também possui o dom de curar pessoas doentes.

Para a responsável pela comunicação e cultura na Ocupação, Ediane Maria do Nascimento, é uma honra receber o CineB Solar. “Eu cobro muito na questão da cultura trazer filmes nacionais para o pessoal assistir. E hoje é um momento totalmente especial, porque tem o conforto, tem a pipoquinha, está aconchegante, dá para se sentir realmente no cinema, e ao ar livre, o que é o melhor. Para mim está sendo um dia especial por proporcionar isso aos companheiros”, declarou. Ela conta que a ocupação existe há dois meses num terreno que estava abandonado há mais de 20 anos. O nome foi uma decisão coletiva. Tínhamos duas opções: Povo Sem Medo do Grajaú ou Marielle Franco e, por assembleia, foi escolhido Marielle Franco. A gente não vai deixar nunca morrer esse nome da companheira em nossas ocupações”, conclui.

O recado da atriz Letícia Braga ao público do CineB Solar.

 

O CineB Solar chegou à Ocupação Marielle Franco por meio de Bruna Silva, funcionária do Sindicato dos Bancários na Regional Sul. Desde o início da Ocupação que a Regional faz arrecadação de alimentos para colaborar com o movimento. “Foi através de Luiz Claudio [Marcolino, ex-presidente do Sindicato] que conheci a ocupação. Criamos vínculo com o movimento pois estamos sempre com eles e daí tivemos a ideia de trazer o CineB para cá”, explica.

Quem estava curtindo a sessão, bem pertinho do telão, na primeira fila, era Stephanie Caroline. Com Mayara Caroline de dois meses no colo, ela conta que mora com a filha na ocupação há duas semanas e está esperançosa de conseguir o tão sonhado direito à moradia. O esposo é caminhoneiro e está sempre viajando. “Hoje ele esteve aqui mas já saiu. Eu vim da Zona Leste e estou confiante. A única coisa que estranho é não ter televisão”, comenta.

Cerca de 350 pessoas acompanharam o filme “A Menina Índigo”.

Muita gente dá apoio ao movimento na Zona Sul. É o caso de Carlos Nunes, do Sindicato dos Trabalhadores de Hotéis e Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp), que participou da sessão. “Muitos não têm condições de pagar um cinema, então o cinema vir até o povo é uma grande atitude. Precisamos de mais projetos assim em outras localidades”, reflete. Para a pedagoga Sétima Araújo, da Associação Nosso Caminho, que também apoia o movimento e, em parceria com a Prefeitura de São Paulo, atende mais de 2.400 crianças nas creches que funcionam em diversos bairros da Zona Sul, as pessoas precisam conhecer o cinema nacional, porque ele mostra a realidade do povo. Sétima tem interesse em levar a sessão de cinema às escolas da associação: “Os pais gostam desses eventos, são bem participativos, e é através de uma atividade como esta que a gente pode mostrar que o cinema brasileiro tem valor”, comenta.

Colaboradores da cozinha, assistindo o filme à distância.

Cinema na cozinha
Cerca de dez pessoas acompanhavam a sessão a aproximadamente 100 metros de distância do telão, no morro que dá acesso às barracas da Ocupação, na cozinha do G16 e G17 – que são grupos que organizam os ocupantes do terreno. O G17, por exemplo, é formado por cerca de 700 pessoas conta Janete Sena, uma das coordenadoras do grupo. “Aqui a gente vê o filme de camarote”, destaca. Ela conta que muita gente da ocupação não tem acesso a uma sala de cinema. “Está tudo caro, por isso é ótimo ver o cinema com um telão desse tamanho aqui”.

Para Maria Betânia Nascimento Silva, outra coordenadora do G17, na Ocupação estão pessoas muito carentes. “Não dá nem para imaginar, são pessoas tão puras, que vivem em grande dificuldade. A gente fica triste e feliz junto”, lamenta. Ela conta que ali é um lugar de muita solidariedade e companheirismo. E lugar de encontrar pessoas. “Eu até arrumei um namorado aqui dentro”, comemora.

Cidálio Vieira, Edilaine do Nascimento, Sétima Araújo e Luiz Claudio Marcolino no encerramento da sessão.

Irene Ribeiro Silva, que colabora na cozinha do G17 explica que são 9 pessoas trabalhando para alimentar quem fica na Ocupação. “Por isso precisamos de muita doação de alimentos”. Ela diz que colaborar com o movimento faz muito bem. “A gente vê que não é só você que tem problemas. Por isso temos que ir à luta. Depois que vim para cá até emagreci”, destaca.

Ao final da sessão, Marcolino, atual diretor da Confederação do Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) e um dos idealizadores do CineB, participou da sessão e do sorteio de camisetas do CineB Solar em comemoração à Copa do Mundo de Futebol.

O CineB Solar é um circuito alternativo de exibição que, desde 2007, leva cinema brasileiro para várias regiões da cidade. O projeto, que agora passa a se chamar CineB Solar quando estiver nas comunidades, já contabiliza um público superior a 60 mil pessoas em mais de 480 sessões gratuitas em comunidades, escolas e universidades de São Paulo. Já foram exibidos na tela do CineB mais de 116 longas metragens e 73 curtas metragens.

One comment

  1. Levar o cinema popular brasileiro para os menos favorecidos, é uma ideia brilhante,pois temos pessoas em nossa região que nunca teve a oportunidade de ir em uma sala de cinema e hoje olhar o brilho nos olhos dessas pessoas é gratificante.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *