Cieja Perus vê “Que Horas Ela Volta?”

Alunos do Cieja Perus 1 acompanharam a sessão do CineB Solar no último dia 30/09, que exibiu o longa-metragem “Que Horas Ela Volta?”, com Regina Casé.

A quadra do Cieja com alunos e moradores para ver o filme dirigido por Anna Muylaert

 

Foi uma noite especial no Centro de Integração de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) Perus, localizado na Zona Norte de São Paulo. O espaço, que existe desde 2016, recebeu, na última segunda-feira, 30/09, pela primeira vez, o projeto CineB Solar. Os alunos e moradores lotaram a quadra que fica na cobertura do prédio para acompanhar a exibição de “Que Horas Ela Volta?”, filme de Anna Muylaert lançado em 2015, um dos maiores sucessos de crítica e público do cinema brasileiro.

Regina Casé faz o papel de Val, a empregada doméstica que deixou a filha Jéssica no interior de Pernambuco para passar 13 anos como babá do menino Fabinho, em São Paulo, e convive com a culpa de não ter criado sua filha. Um dia recebe um telefonema de Jéssica, que quer apoio para vir a São Paulo prestar vestibular.

Os Ciejas são escolas municipais que atendem exclusivamente o público acima de 15 anos que quer voltar a estudar e completar o Ensino Fundamental ou Ensino Médio. Segundo Altamir Xavier, assistente de direção do centro, o espaço conta com 1.700 alunos de 15 a 80 anos dos quais cerca de 1.000 são haitianos. “Atendemos um número grande de imigrantes, concentrados em Perus. Os professores desenvolvem projetos no ensino de línguas, mas também buscamos integrá-los à comunidade”, destaca.

Abertura oficial da sessão com Cidálio Vieira (com microfone) e professores do Cieja

É o caso de Djeff Felicieu e Sandra Jeudi, haitianos que vivem há 3 anos no Brasil e estudam no Cieja há um ano para aprender o português. Felicieu conta que veio para o Brasil para trabalhar e ajudar a família, mas que a situação no Brasil não está fácil. “Estou desempregado e faço bicos para sobreviver”, relata. O casal leva todo dia a filha Daiane Raymond, de nove meses, para as aulas no Cieja e estava na sessão para ver o filme com Regina Casé.

Rosemeire da Silva Pinto, professora alfabetizadora e moradora do bairro há mais de 40 anos, conta que a comunidade é bem carente. “O cinema que eles conhecem é o da telinha da televisão. Então o CineB é uma oportunidade porque consegue reunir pessoas, é enriquecedor para eles”, comenta. O CineB foi a primeira oportunidade que Luiz Pereira da Silva teve para ver como é um cinema de verdade. Isso porque o aposentado nunca havia entrado em uma sala de cinema antes. Paraibano, ele conta que nasceu no sítio e estudou por três anos, entre 1966 e 1968, “no estilo mobral, com lamparina, porque não tinha luz”, relembra. Chegou em São Paulo em 75 e começou a trabalhar como cobrador de ônibus e depois em uma empresa de terraplanagem, onde ficou até se aposentar. Mas nunca conseguiu ir a um cinema porque trabalhava de domingo a domingo. Agora quer buscar o conhecimento. “Passei a ver filmes, inclusive aqui na escola, e agora me sinto bem”, revela.

Luiz Pereira da Silva, alunos do Cieja, pela primeira vez numa sala de cinema

Na sessão, foi possível conhecer muitas empregadas como Val, inspirada na história de Edna, que foi empregada da diretora do filme e que mora em Embu das Artes (veja o dia que o CineB Solar foi até a comunidade onde Edna mora). É o caso de Luzinete Soares Lima, que há três anos faz o ensino fundamental no Cieja. Ela é doméstica no bairro Limão, também na Zona Norte de São Paulo, e estuda para buscar conhecimento e arrumar um emprego melhor. Já Silene da Silva Santos que é de Coaraci, Bahia, e agora aluna do Cieja, conta que quando tinha 25 anos, foi empregada doméstica em Aracaju, Sergipe. Dormia no emprego como a personagem do filme e a patroa chegou a esconder os documentos para que ela não estudasse. “Me atrasou todos os meus estudos. Patrão não queria que estudasse, que tivesse filhos, então eu já passei por muita coisa nesse mundo sendo doméstica”, relembra. Conta que patrão e filho de patrão a assediavam. Ela lembra que quando ficou grávida chegou a perder o emprego, mas tudo mudou quando seus irmãos vieram para São Paulo e ela os acompanhou. “Aí depois eu fui buscar meu filho, quando tinha 9 anos. Hoje ele já está grande, está namorando, mora sozinho e eu sou diarista”, finaliza.

Os haitianos Djeff e Sandra levam a filha Daiane nas aulas do Cieja

O CineB Solar agradece os professores, alunos e funcionários do Cieja Perus 1 que colaboraram na montagem e desmontagem da sessão.

SOBRE O CINEB SOLAR
O CineB Solar é um circuito itinerante de cinema realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Brazucah Produções. Desde 2007, o já atingiu um público superior a 66 mil espectadores em mais de 550 sessões gratuitas realizadas em comunidades e universidades de São Paulo. A iniciativa busca democratizar o acesso ao cinema nacional e divulgar os filmes produzidos no Brasil. Já foram exibidos na tela do CINEB mais de 130 longas-metragens e 80 curtas-metragens, além da realização de pré-estreias exclusivas.

Texto: Carlos Rizzo. Fotos: Fábio Eufrásio e Carlos Rizzo

3 comments

  1. Parabéns pelo projeto!! É muito importante para a formação himana, que nunca é tarde, produções culturais de boa qualidade. Muito feliz em ver meu pai tento essa oportunidade!!

  2. O projeto é maravilhoso e nos proporcionou uma noite muito agradável. Foi realmente especial. Os silêncios, as risadas, todo mundo concentrado na história, essas coisas que a experiência traz, sem falar do aroma da pipoca no ar.. parabéns a todos!

  3. Trabalho de ótima qualidade, parabéns a Cine B Solar, propiciar nas periferias esquecidas pelo poder público o acesso a cultura é sem dúvida um gesto de empatia com o ser humano que tem o direito a educação e ao lazer.
    Parabéns a equipe, incluindo o pipoqueiro.

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