Diego da Costa, 37 anos, é diretor e produtor de cinema, formado em Midialogia pela Unicamp e Cinema e Audiovisual pela Sorbonne Paris 3. Já realizou diversos videoclipes, webdocumentários, em uma jornada profissional com mais de dez anos. Dirigiu o curta-metragem “Argentino” – vencedor dos prêmios de melhor filme, melhor direção e Juri Popular no IV Paulínia Festival de Cinema. É diretor do documentário para televisão “A Plebe é Rude”, exibido no Canal Brasil e do longa-metragem “Caubóis do Asfalto”, de 2018, disponível no Telecine Play e Now da Net . “Selvagem” é seu segundo longa-metragem, que teve duas exibições em escolas estaduais a partir da organização do CineB Solar: na Barragem, (29/02), extremo da Zonal Sul de São Paulo, onde o diretor cedeu essa entrevista, e em Capão Redondo (11/3).
Costa inicializou sua carreira editando e montando filmes. Na sequência, passou a trabalhar com som direto e ficou nesta área por 10 anos, mas sempre pensando em dirigir suas próprias produções. Começou então a fazer filmes para amigos e de autoria própria. Perguntamos a ele o que achou de dirigir “Selvagem”, filme que está circulando por festivais de cinema em várias regiões do Brasil.
Diego Costa – “Selvagem” é um filme que tem um contexto de ocupação de secundaristas em uma escola de ensino médio pública, porém para mim o mais importante não era fazer um filme sobre as ocupações de 2015 em si, mas um filme sobre jovens que estão pensando novas formas de fazer política, novas formas de se movimentar, se ajudar e transformar o espaço.
As principais coisas que me chamaram atenção na época das ocupações foram a autoaceitação dos jovens, a transformação dos seus próprios corpos durante o processo e a forma de gestão horizontal na qual eles traziam questões e a importância de não se ter uma liderança específica, mas se abrir para o diálogo. Tanto que, na época, uma das principais coisas que criavam uma faísca entre eles e o Estado, era o fato de que os agentes públicos não conseguiam dialogar com eles. O que o Estado dizia que era diálogo, os estudantes diziam que era outra coisa, porque o Estado está acostumado com hierarquia, com liderança, com representação, e os jovens, não. “Aqui a gente senta, todo mundo, 50 pessoas, que seja, debate e chega alguma conclusão”, e para mim esse é o processo democrático real, e é sobre isso que o filme quer falar, sobre essa democracia real, em que todo mundo é ouvido, todo mundo tem um espaço para fala e o tempo da reflexão é outra. Não tem a urgência. “Se precisar ficar várias horas aqui discutindo, fazendo uma assembleia, a gente vai ficar várias horas discutindo e fazendo uma assembleia até chegar em uma conclusão em que a maioria concorde”.
CineB – Em que fase do processo de lançamento está “Selvagem”?
DC – O longa-metragem agora está na fase de pré-lançamento, rodando por festivais. Foi apresentado no XIV Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, onde foi premiado pelo público como melhor longa nacional. Participou do XXVI Festival de Cinema de Vitoria (ES) e da XV edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, que ocorreu nas cidades de Salvador e Cachoeira (BA). “Selvagem” ainda tem a possibilidade de participar de mais dois festivais este ano, o II Festival de Cinema Brasileiro em Paris, em abril, e no Santos Film Fest, em julho, mas ambos ainda não estão confirmados.
CineB – Você veio participar da exibição de seu filme em uma escola estadual, a Prof. Joaquim Álvarez Cruz. Como é isso? Você já conhecia o projeto? E já havia exibido seu filme em uma escola?
DC – Sim, já conhecia o projeto, o produtor do filme [Well Darwin] já têm uma parceria grande com o CineB. Um outro filme que ele produziu [‘Fios de Alta Tensão” – veja aqui a sessão de estreia no CineB] já passou. Para a gente foi muito importante entender, ao longo dos festivais, que selvagem não é um filme completamente compreendido pelo Centro, mas ele é muito compreendido pelas bordas, pelas periferias, pelo interior e fora do eixo Rio – São Paulo. Não é uma questão de vivência, é uma questão de outros aspectos da sociedade brasileira. É um filme que vai muito bem quando a gente sai do Centro, e sempre quisemos muito poder levar o filme onde ele está agora e eu sempre penso. Como tenho uma formação do movimento punk, de banda punk, para mim o filme é como minha banda, como um show que estou fazendo com a minha banda. Eu vou junto com o filme, então esse é um aspecto muito positivo do CineB. Eu poder ir com a minha banda, ou poder ir com o filme, neste caso. O outro aspecto, é ir onde não tem salas de cinemas, eu poder conversar com a galera e entender o que eles estão pensando, o que eles estão falando. É um público que não teria acesso em um circuito tradicional, isso é muito incrível. Queremos exibir não só nesta escola, mas em outras, inclusive na escola que a gente fez o filme, na [Escola Estadual] Caetano de Campos. Nós entendemos que esse é nosso principal público mesmo, os jovens, eles compreendem e já têm outro entendimento desse movimento da democracia, coisa que foi muito parecida lá nos Estados Unidos com o Occupy. Eu entendo que essa geração compreende melhor que a gente, democraticamente, como pode funcionar, escutar o outro, entender o outro. Eu acho que a gente tem muito o que aprender com eles.
CineB – O filme foi todo gravado em São Paulo?
DC – Sim, “Selvagem” foi gravado na Escola Estadual Caetano de Campos, que está localizada no bairro Consolação, centro de São Paulo. As cenas passadas na casa dos protagonistas Sofia, interpretada por Fran Santos, e Ciro, interpretado por Kelson Succi, foram gravadas na Ocupação 9 de Julho, também no Centro, que receberam uma pequena reforma antes das filmagens. Toda a produção do filme, incluindo cachê dos atores e demais profissionais que trabalharam na produção, e finalização se limitou em um baixo orçamento, no valor de 500 mil reais.
CineB – Como você está vendo o atual momento do cinema brasileiro?
DC – Eu sou um cineasta bem marginal digamos, não sei se marginal é a palavra correta, provavelmente não é, mas os meus primeiros projetos eu fiz sem financiamento público. Mas por eu ter conseguido fazer esses outros filmes, eu consegui um edital para este. Foi de baixíssimo orçamento, e ainda assim a gente conseguiu fazer um filme que não parece ser feito com este baixíssimo orçamento. Acho que todo esse movimento [no incentivo à produção cinematográfica nacional] que teve nesses últimos anos, de 2011 para cá, foi extremamente importante para o Brasil, conseguiu dar muita diversidade, mesmo que o acesso a essa produção ainda tenha tido uma concentração em poucas produtoras já consagradas. Expandiu muito pouco além, para que o Brasil inteiro tivesse acesso, e outras pessoas como eu pudessem fazer um filme.
CineB – Como tem sido a recepção de “Selvagem” quando há debates após a exibição, como hoje aqui no bairro da Barragem?
DC – Os debates sempre têm sido bem legais. A gente sempre tem uma reação boa do nosso público alvo, que são os estudantes, de se compreenderem, de se verem no filme. Eu estou sempre preparado, e mesmo se vier alguma coisa muito capciosa, a gente está aqui para aprender, não só para se defender. Acho que é legal quando vem alguma coisa estranha, porque você para e fala, “nossa eu não tinha pensado nisso”, mas agora é com eles, é com o público, e se vem a crítica, eles estão certos.
SOBRE “SELVAGEM”
“Selvagem” é um filme de 2019, conta a história de Sofia e Ciro, dois alunos de uma escola pública que sofre com a falta de merenda, problemas de infraestrutura e ameaças de fechamento por causa de novas medidas do governo. Quando os estudantes decidem fazer uma ocupação da escola, os dois não se unem ao movimento imediatamente. Os protagonistas escolhidos por Costa, não são politizados quanto os outros personagens, Ciro, aspirante a poeta e versão masculina das heroínas de comédia romântica (tropeça e cai a todo instante, fica paralisado diante da pessoa amada e diz besteiras) e a estudiosa Sofia, que só pensa em prestar o Enem, sem dar importância em primeira instância aos problemas de infraestrutura, merenda e salário justo aos funcionários. Aos poucos, no entanto, começam a perceber a importância das reivindicações. À medida que os dois integram a ocupação, aumenta a pressão dos policiais para a saída dos alunos, mesmo que seja à força. Com elenco de Fran Santos, Kelson Succi, Lucélia Santos e Rincón Sapiência, este é um filme para proporcionar reflexão por onde passa.
SOBRE O CINEB SOLAR
O CineB Solar é um circuito itinerante de cinema realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Brazucah Produções. Desde 2007, já atingiu um público superior a 70 mil espectadores em mais de 550 sessões gratuitas, realizadas em comunidades e universidades da cidade de São Paulo. A iniciativa busca democratizar o acesso ao cinema nacional e divulgar os filmes produzidos no Brasil. Já foram exibidos na tela do CineB Solar mais de 130 longas-metragens e 80 curtas-metragens, além da realização de pré-estreias exclusivas.
Carlos Rizzo, com apoio de Mirella Magnani. Fotos: Mirella Magnani
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