As protagonistas do cinema brasileiro

Tata Amaral e Anna Muylaert participaram no final de abril de duas lives promovidas pelo CineB on-line. As cineastas puderam compartilhar com estudantes e jovens produtores suas trajetórias e convidaram à reflexão sobre a participação das mulheres no cinema

texto: Eduardo Viné Boldt

Pela primeira vez em 93 anos o Oscar indicou simultaneamente duas mulheres ao prêmio de melhor direção. A láurea foi entregue a diretora Chlóe Zhao, pelo seu trabalho no filme “Nomadland”. Ao longo de toda a história da premiação, apenas cinco mulheres tinham sido indicadas nessa categoria.

Na mesma semana que a premiação norte-americana reconheceu o talento da cineasta chinesa, o CineB on-line realizou duas lives com a presença de importantes diretoras do cinema brasileiro. Tata Amaral e Anna Muylaert participaram de debates promovidas pelo projeto com estudantes e jovens produtores culturais. Os encontros aconteceram no final do mês de abril e estão disponíveis no canal do Youtube do CineB Solar (link aqui). Foi um momento para trocar experiências e um chamado à reflexão sobre o machismo estrutural e a luta pela igualdade de gênero dentro da produção audiovisual brasileira.

Protagonistas

Na Segunda-feira (26 de abril) a cineasta Tata Amaral participou de uma roda de conversa com jovens produtores culturais. O bate-papo contou com a presença de Marco Costa (Brazucah), Marcos do Amaral (Sindicato dos bancários SP), Cidálio Vieira (CineB), Nayara Cristina (Fiam-Faam), Thiago Pinheiro (produtor cultural). A cineasta pode falar um pouco da sua experiência como diretora, além de relembrar seus filmes, participações e estreias realizadas em parceria com o projeto cineB.

Tata Amaral contou também sobre seu mais recente projeto. A série “As Protagonistas” tem lançamento previsto para o mês de maio no canal Cinebrasil Tv. A produção tem 13 episódios e narra a história do audiovisual brasileiro através das produções realizadas por mulheres. A série documental percorre a trajetória de mais de 70 cineastas brasileiras, como Adélia Sampaio, Helena Ignez, Suzana Amaral, Carla Camuratti, Anna Muylaert, entre outras.

“É um exercício de historiografia. Como seria a história do Brasil contada a partir do ponto de vista dos indígenas? E das pessoas negras? E das mulheres? Como seria a medicina contada a partir da produção das mulheres? Fizemos esse exercício a partir do cinema. Como seria o cinema se a gente pudesse mudar a perspectiva narrativa da história” explica.

CineB on-line com a cineasta Tata Amaral foto: reprodução

A cineasta ainda debateu com os jovens presentes as dificuldades do reconhecimento por parte da sociedade do protagonismo feminino em diversas áreas. “O sucesso não está associado as mulheres, a carreira das mulheres” aponta. A diretora prepara também uma série documental sobre pintoras do século XIX para um canal fechado.

Teto de cristal

Na sexta feira (30 de maio) a diretora Anna Muylaert apresentou o curta-metragem “Um café com meu avô Durval” para estudantes de comunicação do Fiam-Faam Centro Universitário. O encontrou foi mediado pelo professor Douglas Domingues (Fiam-Faam) e teve a presença de Isabela Goulart (Coordenadora Fiam-Faam), dos professores Bruno Casalotti, Thiago Venanzoni, Jorge Gonçalves e João Gago (Fiam-Faam), Cidálio Vieira (CineB), Cynthia Alano (Brazucah), Marcelo Gonçalves (Sindicato dos Bancários).  Mais de 80 alunos participaram da exibição e do debate.

Anna Muylaert conversa com alunos do Fiam-Faam Centro Universitário foto: reprodução

Um café com meu avô Durval” foi produzido durante a pandemia do novo coronavírus a convite da 13ª edição do festival “Janela Internacional de Cinema do Recife”, que aconteceu no início de março deste ano. O filme foi exibido na sessão “Eu me lembro” do evento. No curta-metragem a diretora parte de uma narrativa intima e familiar sobre a sua relação com o cinema e busca refletir a atual forma de consumo das obras audiovisuais e a relação com os seus espectadores (ou consumidores?).

Frame do filme “Um café com meu avô Durval” Foto: reprodução

Durante o bate papo, a diretora ainda pode discutir com os alunos presentes sobre uma de suas obras mais significativas: o longa “Que horas ela volta” (2015). O filme esteve presente em importantes festivais internacionais, como o Sundance e o festival de Berlim, além de ter sido a escolha brasileira para a premiação do Oscar naquele ano.

A cineasta apresenta a história de Val (Regina Casé), uma empregada doméstica que trabalha e reside na casa de uma família de classe média alta paulistana. Sua rotina muda com a chegada da filha Jessica (Camila Márdila) que veio morar junto com ela para prestar vestibular. A família recebe Jessica em sua casa, mas logo percebe que ela será concorrente de seu filho para uma vaga na universidade. A trama se desenvolve através dos conflitos originados dessa situação. Os alunos perguntaram sobre o processo de produção do filme. “O ‘Que horas ela volta’ foi um filme que eu demorei vinte anos para escrever. Ninguém acredita, mas eu não sabia nada sobre o Prouni e eu nem estava levando em conta a questão da cota racial. Mas quando o filme saiu em 2015 imediatamente as bolsistas de Prouni e as cotistas se reuniram e de me falaram: Olha, somos nós essa menina. Somos nós a primeira geração da família que entrou na faculdade” explica a diretora.

Sobre a representação da mulher nas telas ela acredita que houve uma melhora significativa de 2015 até hoje, mas também percebe o quanto as visões estereotipadas são reproduzidas no cinema mundial. “Ainda hoje a maioria dos filmes representa uma mulher de uma forma idealizada e sexualizada. Isso é algo muito aprisionante para as mulheres que os assistem. Eu cresci a vida toda vendo mulheres idealizadas e vendo homens no papel de protagonistas” critica a diretora.

Anna abordou ainda as dificuldades enfrentadas por ela após alcançar o reconhecimento pelo seu trabalho como diretora. “Na Europa eles tem um nome para isso. Eles falam ‘teto de cristal’. Eles falam que a mulher tem um limite para crescer. O teto de cristal é transparente. Se você subir, você vai se cortar, vai sofrer violência. E de fato o ‘Que horas ela volta’ fez muito sucesso, tanto aqui quanto no mundo. Eu nunca tinha sofrido tanta violência, ataque, passada de perna…” aponta a cineasta.

Apesar das dificuldades discutidas com os alunos e do caminho a percorrer na busca pela equidade de gênero, a diretora incentivou os estudantes a contarem as suas próprias histórias e formarem grupos para produzir filmes com dedicação: “Eu que já tenho 30 anos de carreira, o meu próximo filme que se chama ‘Clube das mulheres de negócio’. Para mim é um desafio tão grande quanto foi o Durval Discos, ou até mais” incentiva a diretora.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *