Em noite histórica, CineB Solar realiza exibição de Marighella em ocupação do MTST para mais de mil espectadores

Com forte teor político e de resistência, sessão foi realizada na ocupação Carolina Maria de Jesus, e contou com a presença de Wagner Moura, atores e parte da equipe técnica do longa. Evento encerra com chave de ouro a estreia do filme, que iniciou jornada no circuito comercial.

por Eduardo Viné Boldt

Marighella na ocupação Carolina Maria de Jesus | foto: Danilo Ramos

Em 2017, Wagner Moura visitou a ocupação ‘Povo sem Medo’, em São Bernardo do Campo, com parte da equipe que viria a participar do filme Marighella. Naquela visita foi firmado um compromisso entre o ator e o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Guilherme Boulos: quando o filme fosse lançado, ele seria exibido em uma ocupação do MTST.

Após quatro anos de muita luta, Marighella chega nas telas do cinema e encerra sua jornada de lançamentos em sessão histórica promovida pelo MTST e o CineB Solar. A exibição ocorreu na noite de quinta-feira (11), na ocupação Carolina Maria de Jesus, localizada no bairro de Laranjeiras, Iguatemi, na divisa com São Matheus, zona leste da capital paulista.

CineB Solar e MTST promoveram a exibição do filme Marighella com elenco e convidados | foto: Danilo Ramos

O evento contou com a presença diretor do filme, Wagner Moura, e dos atores Henrique Vieira, Bella Camero, Humberto Carrão e Felipe Braga, além de parte da equipe técnica do longa-metragem. Guilherme Boulos, coordenador nacional do MTST e o idealizador do projeto CineB Solar e vice-presidente da CUT Estadual, Luiz Cláudio Marcolino, marcaram presença na noite de exibição.

Ocupar

Há oito anos no movimento, Cláudia Garcez é coordenadora do MTST e organizadora da ocupação Carolina Maria de Jesus. Ela explica que o terreno estava a mais de 40 anos abandonado. Em maio desse ano, as primeiras 600 famílias ocuparam a área. Hoje, mais de 4200 núcleos familiares fazem parte da comunidade que se formou naquela área que antes não tinha função social.

Josué Rocha faz parte da coordenação nacional do MTST e exalta a exibição do filme na ocupação. “É muito simbólico a gente fazer uma sessão do filme Marighella aqui na ocupação. Um filme que simboliza tanta luta de um dos personagens históricos brasileiros, e que hoje se encontra com o seu público, que é um público de resistência e de luta”, afirmou o coordenador.

A organização do evento começou logo cedo, contando com enorme esforço logístico e de produção de toda a equipe do CineB Solar e da Brazucah Produções. O responsável do CineB Solar Cidálio Vieira, junto com Cynthia Alário e Marco Costa, da Brazucah, coordenaram a montagem de uma sala de cinema no coração da ocupação em parceria com a Via TV.

A enorme estrutura contou também com a indispensável participação dos moradores e moradoras da ocupação, organizados pelos coordenadores e coordenadoras do MTST. Mais de 150 pessoas colocaram a “mão na massa” para levantar, em apenas 4 horas, um dos maiores cinemas do país, com capacidade para 800 pessoas.

Resistir

A exibição na ocupação Carolina Maria de Jesus foi o último compromisso de estreia de Marighella, que chegou oficialmente nos cinemas brasileiros na quinta-feira, 4 de novembro. Em pouco tempo o longa rompeu a marca de 100 mil espectadores em 300 salas, com sessões lotadas concorrendo com as estreias de filmes internacionais.

O filme sofreu com forte censura do governo Bolsonaro, e teve recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) negados pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) ainda em 2019, atrasando em dois anos a exibição. Marighella foi violentamente atacado por grupos bolsonaristas nas redes sociais. O lançamento realizado depois de tantas dificuldades foi por si só um ato de resistência.

O ator Humberto Carrão relembra esse processo. “Esse filme tem histórias inacreditáveis. Ele está pronto há dois anos. Primeiro teve resistência de censura, depois uma pandemia. Mas está acontecendo, é uma loucura! O filme virou um evento, de importância política e de retomada cultural. Esse filme já prometia que ele poderia fazer coisas importantes, e ele fez”, destaca o ator que interpreta o guerrilheiro Humberto no longa.

Humberto Carrão vive guerrilheiro em Marighella | Foto: Danilo Ramos

O filme sofreu na pele o momento crítico e antidemocrático pelo qual passa o país. Apesar dos ataques recebidos, o diretor do filme, Wagner Moura, destaca a coragem das pessoas que vivem na ocupação e que lotaram a sessão nesta noite. “Eu tenho falado muito na dificuldade de lançar o filme, mas toda a vez que eu vou em uma ocupação, que eu encontro os movimentos, eu penso que a luta nossa é pequena. A luta é de quem está aqui, lutando por moradia, por casa, por terra, por direitos básicos”, exalta o diretor.

Wagner reafirma o caráter simbólico da exibição o filme na ocupação. “Para nós a ideia nunca foi somente falar sobre aqueles que resistiram a ditadura militar nos anos 60 e 70. A gente queria que [o filme] falasse de quem segue resistindo. E há poucas inspirações tão fortes quanto o MTST”, destaca.

Wagner Moura na Ocupação Carolina Maria de Jesus | foto: Danilo Ramos

Democratizar

Criado em 2007 pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e realizado pela Brazucah Produções, o CineB Solar já atingiu um público superior a 75 mil espectadores em 160 bairros, em mais de 580 sessões gratuitas. Próximo a comemorar 15 anos, o projeto tem sua história marcada por exibições importantes na periferia e em movimentos sociais. “Foi a terceira vez que exibimos junto com o MTST. Bacurau fez sua pré-estreia em uma ocupação, e agora esse grandioso evento para a exibição de Marighella. Conseguimos reunir hoje mais de mil pessoas, um marco importante para o CineB Solar e a Brazucah”, celebra o coordenador do CineB Solar Cidálio Vieira.

O idealizador do projeto e vice-presidente da CUT Estadual, Luiz Cláudio Marcolino, salienta a importância da exibição. “Essa sessão no dia de hoje coroa o sucesso que vem sendo o CineB ao longo desses quinze anos. Nós começamos na zona oeste de São Paulo em caráter de teste em apenas três comunidades, e tínhamos como objetivo levar o cinema nacional a todos os cantos da cidade de São Paulo, Osasco e região, onde a população não tinha acesso ao cinema de qualidade”, relembra Marcolino.

Exibição contou com mais de mil espectadores | foto: Danilo Ramos

“A periferia das grandes cidades não é um espaço privilegiado para a cultura. Há uma carência grande de salas de cinema, de exibição de grandes filmes. Então a gente está reforçando a importância de trazer cultura para a periferia”, expõe Josué Rocha.

Viver

Com estrutura montada, pipoca feita pelo Sr. Antônio e distribuída aos moradores, mais de mil pessoas assistira ao filme Marighella na noite chuvosa dessa quinta-feira. Todas as 800 cadeiras foram tomadas, restando apenas os espaços laterais para que o público excedente acompanhasse, de pé, a sessão.

Os moradores e convidados se emocionaram com a história do guerrilheiro que lutou pela democracia no Brasil, acompanhando atentamente o desenrolar da história. O elenco e a equipe técnica assistiram a sessão no meio dos moradores da ocupação, de pé, no fundo da tenda montada para a exibição. Ao final da sessão, subiram no palco e puderam falar com os espectadores.

O coordenador nacional o MTST, Guilherme Boulos, usou a palavra para exaltar os verdadeiros heróis nacionais. “Outro dia eu vi o Bolsonaro dizer que o Brilhante Ulstra é herói nacional. Esse filme está ai para dizer que Brilhante Ulstra não é herói nacional. É um monstro. Herói nacionais é Carlos Marighella. Heroína nacional é Marielle Franco. Heróis nacionais são aqueles que lutam por libertade”, disse Boulos sob aplausos da plateia.

Cidálio Vieira (CineB), Guilherme Boulos (MTST) e Cynthia Alário (Brazucah) durante exibição de Marighella | foto: Danilo Ramos

Wagner Moura, emocionado, ressaltou os valores abordados na obra. “Toda vez que eu sinto que existe uma conexão entre o filme que fizemos, entre a luta de Marighella e a luta do povo LGBT, do povo da periferia, dos indígenas, dos sem-teto, dos sem-terra, eu acho que esse filme encontrou seu público”.

A exibição terminou com discursos e palavras de ordem com o público pedindo FORA BOLSONARO | foto: Danilo Ramos

Assim com a cinco anos atrás, Boulos e Wagner selaram mais pacto ao final da sessão. “Que a gente assuma um novo compromisso de vocês voltarem aqui. Não para exibir um filme, mas quando isso aqui não for mais a ocupação Carolina Maria de Jesus, mas quando for o bairro o Carolina de Jesus”, concluiu o coordenador nacional do MTST.

Sobre o CineB Solar

Criado em 2007 pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, o CineB passou a se chamar CineB Solar em 2018, quando passou a circular com uma van que gera, através de placas solares, a própria energia consumida no evento. Já atingiu um público superior a 75 mil espectadores, 160 bairros percorridos, em mais de 580 sessões gratuitas realizadas em comunidades e universidades de São Paulo. Nesse momento de isolamento, para evitar aglomerações, se reinventaram e prepararam novos projetos: CineB on-line, CineB Solar na Janela e CineB Autorama, ações para que todos possam ficar em casa e se divertir com uma sessão de cinema.

Filme exibido:

Marighella – (Wagner Moura – Brasil – 2021 – 155 minutos – 16 anos – Drama).

Sinopse: 1969. Marighella não teve tempo pra ter medo. De um lado, uma violenta ditadura. Do outro, uma esquerda intimidada. Cercado por guerrilheiros 30 anos mais novos e dispostos a reagir, o líder revolucionário escolheu a ação. Em Marighella, o inimigo número 1 da Ditadura Militar tenta articular uma frente de resistência enquanto denuncia o horror da tortura e a infâmia da censura instalados por um regime opressor. Em uma experiência radical de combate, ele o faz em nome de um povo cujo apoio à sua causa é incerto — enquanto procura cumprir a promessa de reencontrar o filho, de quem por anos se manteve distante, como forma de protegê-lo.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *