Filme desperta memórias e toca as espectadoras presentes na sessão
texto e foto: Eduardo Viné Boldt
O CineB Solar, projeto idealizado pelo Sindicato dos Bancários, Osasco e região, e produzido pela Brazucah, realizou na noite de sexta (28 de abril) a exibição do filme “Marte Um”, do diretor Gabriel Martins. O filme foi projetado nas dependências do Sindicato dos Bancários, no auditório azul, para mulheres representantes de movimentos de moradia, ligadas à União dos Movimentos de Moradia (UMM-SP).
Ao todo 30 mulheres estiveram presentes, mesmo em um dia movimentado e com diversas atividades acontecendo em paralelo. “A união dos movimentos de moradia é um coletivo estadual onde tem muitos movimentos filiados . Hoje nós temos gente aqui da cidade de Tiradentes, da Zona Sul, da Zona Leste, da Sudeste, de Itaquera e daqui do Centro”, explicou Fátima Santos, que atua na secretaria de mulheres do movimento.
Pela manhã, parte das militantes estavam na 21a Conferência Municipal de Saúde de São Paulo. No mesmo dia foi realizada Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para discutir o novo programa público de moradia do governo federal. “Hoje tem uma atividade muito importante, porque está na discussão o ‘Minha Casa, Minha Vida’ para os movimentos de moradia. Isso é de grande importância porque está voltando só agora, no governo Lula”, destacou.
Mesmo assim, as mulheres não decepcionaram e compareceram em bom número na sessão de cinema, logo após os compromissos. O filme ‘Marte Um’ traz a história da família Martins e narra os acontecimentos familiares e os problemas sofridos pelas personagens com leveza e esperança. O filme emociona pela representatividade e lança luz nas produções audiovisuais que são realizadas fora do eixo Rio – São Paulo.
Ao final da sessão, um debate foi realizado entre os participantes, com boa discussão entre os espectadores: “O filme foi muito importante. Os depoimentos das pessoas deram uma visão para a gente daquilo que já passaram, e que ainda passam. Foi gratificante porque a gente sai todos os dias da ‘casa para o trabalho’ e do ‘trabalho para a casa’ e a gente não tem um momento de cultura”, pontua Fátima.
Mariza Dutra Alves tem 58 anos e faz parte do “Movimento dos Trabalhadores sem Terra Leste 1”. Ela vive no “Mutirão Unidos Venceremos” e veio da Zona Leste até o Centro para participar das atividades do dia. No cair da noite, ela foi até o Sindicato dos Bancários com as colegas e participou da sessão. Mariza ficou impressionada com o longa: “É um filme destinado às mulheres negras periféricas, e a ‘jogada’ do diretor em pensar nas famílias, no preconceito, pensar na questão das drogas, eu fiquei muito feliz de ver que tudo isso que o diretor abordou nesse filme, ele colocou ‘do pensar’ nosso, e do modo de que nós, mulheres, periféricas, pobres, somos da periferia”, analisa.
Elenice dos Santos é mãe de seis filhos e coordenadora do “Movimento Sem Terra Leste 1”. Durante o debate ela demonstrou o quanto se identificou com as histórias contadas no filme em mais de uma ocasião. “Eu sou vocalista de uma banda e na hora que a personagem começou a passar mal eu me vi naquela situação. Eu estava indo para o show, e ia cantar justamente aquela música, então eu comecei a passar mal, tive que sair. Essa foi uma das partes. A outra partes [foi] a situação do pai. Meu pai era muito machista, pensava que os filhos tinham que ter a mesma opinião que ele. Se o filho tinha uma opinião errada, já era motivo de brigas”, explicou.
Assim como no filme, foi a união da família que possibilitou superar alguns problemas: “A gente resgatou a parte nossa, que é a base. Então, por mais problemas que a gente tenha, que a gente passou e tudo, a gente voltava na base para sentar e conversar. E foi o que eu vi lá [no filme]. Ouve a discussão, mas também houve respeito. Eu me vi naquela situação porque na minha família é assim”, conclui.
Dona Olita
Uma participante se destacou na sessão durante os debates. Medindo pouco mais de um metro e cinquenta, com o sotaque espanhol ainda aparecendo em algumas palavras, Dona Olga Quiroga estava presente na sessão com seus 86 anos de idade. Olita, como carinhosamente é chamada, está no Brasil há 63 anos, e aqui criou seus 4 filhos, 9 netos e 7 bisnetos.
Ela é uma militante atuante no movimento de moradia e uma grande defensora do SUS (Sistema Único de Saúde). Pela manhã ela estava atuando na 21a Conferência Municipal de Saúde de São Paulo. Hoje ela é suplente no Conselho de Saúde do município. Ativa, não se importou em participar da sessão na noite de sexta-feira. A paixão pelo país que ela optou por morar aparece em suas primeiras frases: “O Brasil é o melhor país do mundo para se viver. Eu faço parte da União de Movimentos de Moradia e entrei no movimento no ano de 1986 para o movimento de moradia da região Sudeste, Ipiranga, que funciona até os dias de hoje na Igreja Nossa Senhoras das Dores”, explica.
Nascida em agosto de 1936 na cidade de Los Andes, a 84 quilômetros de Santiago, Olga chegou ao Brasil em 1960 com o marido, onde atuou como costureira. Foi somente em 1987 que ela se engajou no movimento por moradia, e de uma forma inesperada: “Eu entrei no movimento não porque eu precisava de moradia. Minha neta nasceu e naquele ano de 1987 teve um surto de febre aftosa [no Brasil]. Então não tinha leite. Um dia, de madrugada, gritavam na padaria e falavam que o movimento de moradia dava tickets de leite. Então fui eu com toda a minha família e conseguimos os tickets de leite. Hoje minha neta está com 37 anos”, celebra. A partir de então começou a se envolver com os movimentos sociais e nunca mais parou.
Sobre o filme, dona Olita destacou aspectos importantes da película: “Para mim foi um filme educativo. Eu gosto porque a cultura transmite educação e é muito importante. Eu falei que o filme trata de vários assuntos como a sexualidade, o racismo, os sentimentos da família. Mas o que mais me interessou, apesar das dificuldades vividas pela família, como muitas que eu conheço dentro do movimento, elas sempre se entendem através do amor. E isso é muito importante. A gente passa muita dificuldade, mas enquanto o amor durar, a gente pode mudar muitas coisas”, conclui.
SOBRE O CINEB SOLAR
CINEB SOLAR é um circuito itinerante de cinema realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Brazucah Produções. Dsde 2007, o projeto já atingiu um público de 86.724 mil espectadores em mais de 681 sessões gratuitas realizadas em comunidades e universidades de São Paulo. Percorremos cerca de 161 bairros da cidade de São Paulo e 23 cidades fora de São Paulo
Ao longo destes 16 anos criamos o Selo CineB do cinema brasileiro , com 4 DVDs que contém no total 18 curtas mais bem avaliados pelo projeto. No Prêmio CineB Solar do Cinema Brasileiro premiamos com troféu 217 entidades e 156 diretores dos filmes exibidos. A iniciativa busca democratizar o acesso ao cinema nacional e divulgar os filmes produzidos no Brasil.
Já foram exibidos na tela do CINEB SOLAR 159 longas-metragens e 104 curtas-metragens, sendo também realizadas pré-estreias exclusivas.
Em 2020 em virtude da pandemia, nos reinventamos e lançamos novos projetos: CineB on-line, CineB Solar na Janela e CineBAutorama, ações para que todos pudessem ficar em casa e se divertir com uma sessão de cinema.