Sessão exibida em 30/10/2025 Texto e fotos: Thaís Nozue
A noite de 30 de outubro entrou para a história do Projeto CineB. Mais de 300 pessoas ocuparam a Quadra dos Bancários, no centro de São Paulo, para assistir à exibição do filme Malês, dirigido por Antônio Pitanga, em uma sessão marcada por emoção, reflexão coletiva e protagonismo negro — dentro e fora da tela.
Logo na abertura, o público foi convidado a participar de um minuto de silêncio em memória das vítimas da megaoperação policial no Complexo da Penha e do Alemão (RJ), ocorrida dois dias antes. O gesto, conduzido pelo coordenador do CineB, Cidálio Vieira, e pela diretora da Brazucah Produções, Cynthia Alario, transformou a sessão em um ato de memória, denúncia e acolhimento coletivo.
Abertura do CineB na Quadra do Bancários
Também participaram da abertura os atores Samira Carvalho e Rodrigo de Odé, que integram o elenco do filme e permaneceram até o fim da noite para um debate potente com o público.
Rodrigo de Odé, Cidalio Vieira e Samira Carvalho
A sessão contou ainda com educadores, movimentos negros, estudantes de EJA, lideranças comunitárias e entidades que mobilizaram caravanas para estar presentes, entre elas:
CIEJA Rose Mary Frasson (Brasilândia)
CIEJA Paulo Emílio Vanzolini (Cambuci)
EMEF Duque de Caxias (Liberdade)
Marcha da Consciência Negra – representada por Mãe Su de Nãnã e Gilson Negão
O público era formado majoritariamente por pessoas negras, muitas delas vendo o filme pela primeira vez — e, para um número significativo, vivendo sua primeira experiência de cinema em tela grande.
UM FILME QUE VOLTA O BRASIL PARA SI MESMO
A exibição de Malês, que narra a Revolta dos Malês de 1835 — maior levante negro de matriz islâmica da história do país — foi recebida com silêncio profundo, lágrimas, aplausos espontâneos e expressões de reconhecimento. Como disse uma das espectadoras ao microfone:
“A gente se vê no filme. Não como coadjuvante, mas como dono da história.”
Ao final da exibição, o debate foi aberto com dois microfones circulando pelo público. As falas que vieram da plateia tratavam de ancestralidade, identidade negra, islamismo no Brasil, apagamentos históricos, educação e arte como ferramenta política.
“O PROTAGONISMO É DO PITANGA – E DO POVO PRETO”
Em uma das respostas mais marcantes da noite, a atriz Samira Carvalho respondeu a um questionamento sobre as críticas nas redes sociais a respeito da escolha da roteirista branca, Manuela Dias:
“A gente tem que debater tudo — mas não pode esquecer que esse filme é obra de Antônio Pitanga. Aos 86 anos, depois de 30 anos tentando tirar esse roteiro do papel. Se fosse um diretor branco, teria esperado três décadas? Esse filme existe porque Pitanga existe. E porque existe o povo preto que sustentou ele até aqui.”
Em outro momento, com voz embargada, ela completou:
“Fazer esse filme é devolver o nome, o corpo e a história aos nossos ancestrais. Eu não interpretei sozinha: eu fui atravessada. A espiritualidade foi quem dirigiu meu corpo.”
Samira Carvalho – atriz
O ator Rodrigo de Odé destacou o processo de preparação espiritual e física do elenco, especialmente durante as filmagens no Recôncavo Baiano:
“Filmar em Cachoeira é respirar ancestralidade. Eu nunca entrei num set tão tomado de axé. A terra pulsa. A gente não atuava sozinho, atuava com os que vieram antes. Para interpretar, precisei buscar corpo, respiração, candomblé, capoeira, memória e dor — e transformar tudo em beleza e resistência.”
Rodrigo de Odé – ator
EDUCAÇÃO, CINEMA E MEMÓRIA COLETIVA
Muitos educadores trouxeram turmas inteiras para a sessão. Alessandra Henriques Gomes Stefano, coordenadora do CIEJA Paulo Emílio Vanzolini, destacou:
“A maioria dos nossos estudantes nunca teve acesso a uma sala de cinema. Hoje, eles assistiram um filme que será tema de estudo nas próximas semanas — porque cultura é currículo, é direito, é reparação.”
Alessandra Henriques Gomes Stefano, coordenadora do CIEJA Paulo Emílio Vanzolini
A professora Silvia Alves resumiu o sentimento geral:
“Eu saio daqui sabendo mais sobre mim mesma. Esse filme devolve dignidade. A luta não acabou — mas hoje foi um dia de vitória.”
Silvia Alves, professora
UM PROJETO QUE NÃO LEVA SÓ FILME — LEVA FUTURO
A militante Vivian Machado, que acompanhou o evento pela terceira vez, lembrou a importância da democratização do cinema:
“Ver o CineB lotando a quadra hoje é a prova do que o projeto faz pela cidade. Foi assim na pandemia, foi assim nas comunidades, e agora num ato como esse. É cinema como direito, como política pública, como afeto.”
Vivian Machado
O público permaneceu até o fim — não apenas para o debate, mas para a experiência coletiva, para as fotos com o elenco, para o reconhecimento público de que cinema brasileiro é instrumento de transformação social.
CineB: 18 anos de cinema nas comunidades
Desde 2007, o CineB já realizou 766 sessões e atingiu mais de 95 mil pessoas em comunidades, escolas, sindicatos, associações de moradores e universidades. Foram exibidos 181 longas-metragens e 128 curtas, além de pré-estreias exclusivas, sessões ao ar livre e ações especiais como CineB na Janela e CineB Autorama, durante a pandemia.
O projeto criou o Selo CineB do Cinema Brasileiro, lançou 4 DVDs com 18 curtas premiados e promove anualmente o Prêmio CineB, que já homenageou 257 entidades e 186 diretores.
Acompanhe o CineB: Instagram – @projeto_cineb TikTok – @projetocineb Facebook – @cinebsolar YouTube – CineB Solar