Fotos de Vivian Szelpal
Pela primeira vez no bairro de Heliópolis chega o projeto Cine B, realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e Brazucah Produções. A exibição reuniu mais de 300 pessoas, lideranças locais, artistas , estudantes universitários da Faculdade São Marcos , e outros moradores da comunidade.
Na década de 60, 120 famílias começaram a ocupar um espaço rural, na zona sul de São Paulo. O local era repleto de árvores frutíferas e espaço de sobra para estas famílias viverem. 40 anos depois, o terreno se tornou uma das maiores comunidades da periferia brasileira. Já foi um lugar com fama de violento, sem lei.
Mas agora os ventos que correm por lá são outros. A comunidade ainda carece de reestruturações para significativa melhora de vida destes imigrantes do norte e nordeste brasileiro. Entretanto, a comunidade é unida e organizada, não brinca em serviço.
“Desde 1993 estamos com um forte movimento de moradia. Já construímos mais ou menos 3 mil imóveis para as famílias. Aproximadamente 900 famílias ainda se mudarão para outros apartamentos, construídos com ajuda de verbas públicas”, disse José Marcelo da Silva, presidente do Ação Comunitária da Heliópolis. Segundo ele, que é morador da região, normalmente a família é retirada da casa que vive e transferida para outro imóvel, obrigatoriamente localizado na região. Em 24 meses, a família recebe 400 reais para o aluguel até que a nova casa fique pronta.
A Ação Comunitária da Heliópolis trabalha diretamente com as famílias, explicando os benefícios e assistindo essas pessoas na mudança. “Vim pra cá quando tinha 1 ano, e aos 14 já atuava em busca da melhora de nossa comunidade, eliminando vielas, becos.”, disse Marcelo. “Em breve também vamos oferecer cursos profissionalizantes, porque nossa preocupação é oferecer serviços aos jovens de 17 a 25 anos. Teremos o apoio do Luiz Cláudio Marcolino (presidente do Sindicato dos Bancários) que indicará educadores para trabalhar conosco”, acrescentou José Marcelo.
Nesta exibição do Cine B, Alex Minduim veio representando o presidente Luiz Cláudio Marcolino.
PAQUISTÃO
Há alguns anos, estudantes da Escola da Cidade tomaram conhecimento da situação urbanística que vivia a população de Heliópolis. Articulados com as lideranças locais, montaram o projeto arquitetônico da sede da Associação Paquistão Social, organização autogestionária que pretende trabalhar a cultura e o esporte na região.
“Ela foi fundada pelo meu marido e outros moradores, mas depois que meu marido faleceu, há dois anos, a associação ficou um tempo parada. Agora estamos retomando as atividades, queremos mostrar para a comunidade que há espaços que podem ser utilizados em benefício de todos”, disse Noelia Maria de Jesus, presidente da Associação Paquistão Social.
O universitário Tomaz Capobianco, que esteve presente na sessão do Cine B em Heliópolis, é um dos alunos da Escola da Cidade que elaborou o projeto arquitetônico da sede do Paquistão Social. Eles conheceram a comunidade através do trabalho de um espanhol sobre ocupações efêmeras de espaços, como pessoas numa tarde fazendo churrasco na laje, e no dia seguinte o lugar está vazio ou servindo apenas como depósito. Ficaram impressionados com a organização da comunidade e a força das lideranças locais, como Marcelo e Noelia, então resolveram arregaçar as mangas.
“O terreno foi oferecido pela prefeitura para a comunidade utilizar, então montamos um projeto de uma sede, do jeito que os habitantes daqui queriam. Eles imaginavam o que gostariam de ver acontecendo no prédio, e nós planejamos”, disse Tomaz. “Inclusive a construção será feita através de mutirão entre os moradores”, acrescenta.
O projeto, apenas aguarda a confirmação da Prefeitura como dona do terreno, para que possam receber o investimento conseguido através do projeto Mais Cultura, do Governo Federal, para a construção do espaço e compra de equipamentos. Quando pronto será utilizado para oferecer cursos profissionalizantes, aulas, apresentações e reuniões do bairro.
“O Luiz Cláudio Marcolino chegou aqui, viu tudo isso e disse que a gente podia trazer o Cine B para cá, então resolvemos fazer esta primeira exibição”, disse José Marcelo da Silva, presidente do Ação Comunitária da Heliópolis.
“A pedido do Marcelo e Noelia, viemos e queremos voltar porque a comunidade da Heliópolis está realmente de parabéns em união e participação”, disse Cidálio Vieira Santos, da Brazucah Produções, na abertura de hoje do Cine B, realizado na Heliópolis pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e Brazucah Produções.
Agradecemos aos vizinhos do espaço que acontecer a sessão: o pessoal do bar e da lan house, que ajudaram de várias formas, desde assistindo a exibição, assim como na organização do evento, além do fechamento da rua, o que tornou esta sessão do Cine B, mágica.
CACHORRO LOUCO
E hoje tinha na exibição um motoboy presente. Emerson Oliveira Antunes, cara de jovem, mas pai de três filhos. Há 10 anos se aventura no cotidiano selvagem do trânsito numa moto. Mas pelo visto, o que mais pesa em seu trabalho apesar do perigo, é a discriminação. “Eu valorizo muito a nossa profissão, apesar de saber que faço isso por falta de opção. O salário é bom, mas as pessoas são mal educadas conosco, não é fácil”, disse Emerson.
“As pessoas nem olham nos olhos deles. Eles são chamados de cachorro louco, estão sempre com pressa, agitados, resolvendo o assunto dos outros”, disse a esposa de Emerson, Lucineide Souza da Silva. Ela perdeu o irmão recentemente num acidente de moto. “Ele estava trabalhando para a Votorantim, um carro bateu na traseira dele, aqui na Rodovia Anchieta. Ficou completamente desfigurado, no velório usamos maquilagem, colocamos cabelo. Foi horrível, ele tinha apenas 25 anos”, disse Lucineide.
E não fica com medo do marido continuar a trabalhar assim? “Já cheguei a pedir a separação que não agüento. Todo dia insisto pra sair, mas eles acostumam, esquecem o perigo. Por isso fui fazer faculdade e agora daqui alguns meses abro meu salão. Já disse que ele vai me ajudar e estudar, ele é muito inteligente”, disse Lucineide.
“A gente sempre pesa o lado financeiro. Sem muita formação, onde vamos conseguir um emprego que pague todas as nossas contas?”, disse o motoboy Emerson.
Em Os 12 trabalhos, o personagem Herácles vive o primeiro dia como motoboy. No filme, o trânsito é perigoso, mas a discriminação é mais chocante. Só que um dia a fatalidade chega.
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