Marte Um: representatividade e alteridade aproxima obra do publico

texto e fotos: Eduardo Viné Boldt

Mais de 250 alunos e professores se reuniram na noite de terça (4) no auditório da Faculdade das Américas, na Av. Augusta, para a exibição do filme Marte Um, do diretor mineiro Gabriel Martins. Alunos dos cursos de comunicação prestigiaram o filme e puderam ainda dialogar com o diretor, que participou da sessão e foi entrevistado pelos alunos dos cursos de jornalismo e cinema.

O premiado filme brasileiro foi a principal aposta do cinema nacional, sendo indicado como o representante do país para a disputa do Oscar. Partindo da história da família Martins, o longa aborda temas como o alcoolismo, relações homoafetivas e o sonho de um jovem em alcançar o que parece impossível para uma crianca negra periférica brasileira: participar de uma missão de colonização do planeta Marte.

Universidades

O CineB, projeto de cinema itinerante idealizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, e produzido pela Brazucah, desenvolve desde o início exibições em universidades. O princípio continua sendo o mesmo: levar o cinema brasileiro e abrir uma janela de exibição para a produção nacional.

Foi a segunda vez que o projeto esteve na FAM, a segunda vez com a casa cheia. Antes da sessão, o professor Caio de Salvi abriu os trabalhos com uma homenagem ao cinema nacional, tão atacado nos últimos quatro anos pelo governo anterior, derrotado nas urnas. Ele falou da importância do cinema como um instrumento de alteridade e representatividade.

“Eu acho que o cinema é uma linguagem que repercute na identidade nacional. Então o cinema que consiga contemplar a diversidade cultural e social que existe em um país como o Brasil (serve) como um enfrentamento estético que esse país precisa ter. Porque esse país é tão rico, tão diverso e tão culturalmente favorecido. E se a gente não tem nas nossas telas nossas histórias, as nossas estéticas, as nossas éticas, as nossas conquistas, as nossas realidades, a gente fica refém eternamente de um processo de colonialismo cultural”, destaca.

Para o coordenador dos cursos de comunicação, Vicente Darde, o projeto permite o desenvolvimento dos alunos pelo contato com as obras e os autores. “O projeto CineB, além de promover o cinema brasileiro entre os estudantes, também faz com que, aqueles que estão cursando produção audiovisual, cinema e jornalismo, tenham a possibilidade de aprender como se faz cinema, e isso é um grande aprendizado para eles”, destaca.

Mão na massa

O diretor do filme chegou por volta das 20h e se dirigiu aos estúdios de gravação da universidade, onde alunos dos cursos de cinema e jornalismo já haviam montado um set para a realização de uma entrevista especial. A professora Camila de Moraes coordenou os alunos na captação, um projeto pedagógico que influencia na formação dos futuros profissionais.

“Quando a gente soube que o Gabriel estaria, foi uma felicidade sem tamanho para os alunos. E aí a gente pensou: Por que não entrevistá-lo? Por que não ter essas imagens em audiovisual? Então montamos um set, um aluno de jornalismo entrevistou ele, porque eles estão fazendo um documentário sobre o incêndio da cinemateca. Depois os alunos de cinema entrevistaram o diretor mais com um foco no processo dele e no percurso dele na academia, e depois que ele saiu da universidade”, explicou.
Por mais de 40 minutos os alunos puderam trocar experiências com o diretor, além de registrar todo o processo, captado de forma profissional. Após as entrevistas, Gabriel se dirigiu ao auditório para assistir ao final do filme e iniciar o debate com os alunos presentes.

Representatividade

O debate após a sessão se prolongou para além das 22h, horário previsto para o término das atividades. A maioria dos alunos permaneceu até o final do debate, e puderam expor suas observações e pontos de vista sobre a obra.

“Quando a gente se identifica a gente quer se aprofundar na história”, explicou Fernanda Lima, aluna de jornalismo que esperou até a última pergunta para se levantar. A estudante identificou aspectos em sua vida que se assemelham com as histórias narradas no longa.

“Eu sou uma mulher bissexual. E eu tenho uma situação parecida com a da protagonista do filme, onde ela se descobre no meio do caminho e oculta da família, exceto de seu irmão. Eu tenho uma situação muito parecida com uma amiga, quase irmã, onde ela sabe da minha orientação sexual, mas meus pais não”, salienta.
No final do filme, Fernanda se sente representada pelo desfecho da história, que a toca profundamente. “É encorajador ver que no final do filme as coisas dão certo. Isso é reconfortante pra mim”, conclui.

Eduardo Nascimento é aluno do quarto semestre de produção audiovisual da instituição. Assim como sua colega, ele deu um importante depoimento sobre o filme. O filme acabou marcando profundamente o jovem.

“Marte Um acabou sendo um marco na minha vida, de um ser que ama cinema, vem da periferia e passa pelas mesmas questões que muitos jovens passam, que é lidar com drogas, dentro e fora da família. A maneira como Marte Um trata isso… tão sentimental, tão sensível e tão natural me tocou de uma forma que pouquíssimos filmes me tocaram”, conclui.

“O Marte Um é um filme construído como uma ideia de enaltecer questões do cotidiano, que nós vivemos, mas isso é colocado em uma narrativa de uma família, o que cria uma identificação. Os personagens vão viver situações que nós vivemos, ou conhecemos alguém que viveu. Só que, quando você cria isso em um pacote naquele tempo e com uma costura poética, eleva o nível de identificação”, destaca o diretor.

Gabriel Martins explicou que uma parte significativa do filme passa por suas próprias histórias de vida. Com 35 anos, ele foge do padrão da maioria dos produtores do cinema brasileiro: É jovem, negro, periférico e produz de Contagem, MG, fora dos grandes centros do audiovisual nacional. Sua produtora, a Filmes de Plástico, acabou furando essa bolha e construindo ao longo dos últimos 13 anos uma filmografia importante para o cinema brasileiro.

“Antes de tudo esse lugar de onde eu venho sempre me foi muito inspirador. Por muito tempo eu achei que eu tinha que mudar para São Paulo, para o Rio, e o fato de eu ter decidido contar histórias lá me abriu perspectivas e me trouxeram muita criatividade. Mesmo estando perto daqui existe uma distância geográfica que impede de termos acesso ao mercado. Mas a gente aprendeu com o tempo a subverter isso e que os nossos filmes foram forçando essa passagem. Porque se tornou impossível negar a existência dessas produtora que não estão dentro do mercado mas que tem uma produção de qualidade. Hoje a Filmes de Plástico tem um reconhecimento cada vez maior e eu sinto que a gente tem muito mais espaço do que a gente tem antes”, aponta do cineasta.

“O Gabriel junto com uma geração de novos realizadores conseguem articular essa potência da simplicidade, de uma estética profundamente brasileira, que é muito inventiva e honesta com a trajetória do cinema nacional com essa relação de identidade que a gente pensava aqui”, conclui o professor Caio de Salvi.

SOBRE O CINEB SOLAR

CINEB SOLAR é um circuito itinerante de cinema realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e pela Brazucah Produções. Dsde 2007, o projeto já atingiu um público de 86.724 mil espectadores em mais de 681 sessões gratuitas realizadas em comunidades e universidades de São Paulo. Percorremos cerca de 161 bairros da cidade de São Paulo e 23 cidades fora de São Paulo

Ao longo destes 16 anos criamos o Selo CineB do cinema brasileiro , com 4 DVDs que contém no total 18 curtas mais bem avaliados pelo projeto. No Prêmio CineB Solar do Cinema Brasileiro premiamos com troféu 217 entidades e 156 diretores dos filmes exibidos. A iniciativa busca democratizar o acesso ao cinema nacional e divulgar os filmes produzidos no Brasil.

Já foram exibidos na tela do CINEB SOLAR 159 longas-metragens e 104 curtas-metragens, sendo também realizadas pré-estreias exclusivas.

Em 2020 em virtude da pandemia, nos reinventamos e lançamos novos projetos: CineB on-line, CineB Solar na Janela e CineBAutorama, ações para que todos pudessem ficar em casa e se divertir com uma sessão de cinema.

CINEB NAS UNIVERSIDADES

Além das exibições públicas em bairros, ruas, praças e entidades comunitárias, o projeto também realiza sessões gratuitas dentro de universidades. A ideia é utilizar a estrutura que as escolas já possuem, como auditórios equipados com projetor digital e som, e transformar esses locais em salas de exibição. Desde 2010, foram 71 sessões em universidades de São Paulo , com a presença de 8.494 alunos e professores, sempre com debates seguidos da exibição em instituições de ensino parceiras do CINEB.

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