Cine B leva cinema brasileiro ao extremo da Zona Sul

Texto por Carlos Rizzo

Fotos por Carlos Rizzo e Danilo Ramos

Barragem é um dos bairros mais carentes da cidade de São Paulo. Fica a 60 Km do centro e contou, pela primeira vez, com uma sessão do Cine B. Além do filme, a população pode assistir a uma apresentação da fanfarra da escola e recebeu a Liga do Bem, formado por estudantes fantasiados que organizam brincadeiras e distribuem doces para as crianças.

Quem acompanha o Cine B imagina que o projeto já rodou boa parte da cidade de São Paulo nesses sete anos. Mas sempre tem um lugar novo que nos surpreende. Dessa vez, a comunidade da Barragem foi protagonista, no último sábado, 23 de maio, de um dos momentos mais emocionantes da história do projeto.

(Créditos: Danilo Ramos) Fila para a sessão do CINEB, no bairro da Barragem, extremo da zona sul de SP

Localizada no extremo sul da cidade de São Paulo, 15 Km depois de Parelheiros e cerca de 60 Km do centro da cidade, Barragem é um bairro pacato, mas com muita deficiência em infraestrutura. A ausência de saneamento básico, asfalto, internet e a distância de tudo torna a vida de seus de oito mil habitantes bem difícil. Mas seus moradores se unem para enfrentar as dificuldades e a Escola Estadual Prof. Joaquim Alvares Cruz é um dos pontos de apoio da comunidade. Está sempre aberta para receber seus moradores e até de outras regiões nos finais de semana no projeto Escola da Família, e acolhe todos que a procuram. Foi assim também com o Cine B.

(créditos: Danilo Ramos) Moradores se deslocaram até 15 Km para ir para sessão de cinema do Cine B na escola do Jardim Barragem

Tudo começou com uma das mais articuladas moradoras do local, a Sônia Estela da Silva, conhecida como Fumaça entre os bancários e Nega Fu na comunidade em que mora há quase 30 anos. Nega Fu tem uma longa história com as lutas sindicais. Foi bancária nos anos 1980 e durante a greve geral de 1983, que lutava pelo fim da ditadura militar e pela redemocratização do país, foi presa política por mais de 30 dias. Em sua trajetória, foi sindicalista e passou por vários empregos até retornar ao Sindicato. Atualmente Nega Fu é funcionária da Regional Sul do Sindicato dos Bancários.

(Créditos: Carlos Rizzo) Nega Fu, liderança comunitária e Edna, diretora da escola, unem esforços para levar o melhor para o bairro

Foi ela que, em dezembro de 2014, articulou a entrega, na escola, de brinquedos pelos diretores do Sindicato dos Bancários. A ação deu tão certo que a entidade voltou para a Barragem, agora com o cinema. Foi uma noite inesquecível para as mais de 250 pessoas que compareceram à sessão para acompanhar as peripécias de Fernando e seus amigos, personagens do filme O Menino no Espelho (2013), dirigido por Guilherme Fiúza Zenha, que adaptou a obra de Fernando Sabino para a telona. “É de uma importância muito grande trazer cultura para cá. [A Barragem] É o último bairro da cidade, divisa com Itanhaém. Estou orgulhosa por acreditarem que a gente existe, por nos prestigiarem”, confessou.

(Créditos: Danilo Ramos) Crianças na fila da pipoca

Quem também estava muito feliz com o projeto era a diretora Edna Cristina da Silva. “Estou sem palavras, não imaginava que o cinema pudesse chegar aqui. É um bairro carente, a comunidade só tem a escola, então aqui tem que ter um significado para eles, tem que ter cultura”, comenta. Edna lembra que a escola mantém o ensino fundamental durante o dia e ensino médio à noite. Conta com uma fanfarra desde 2007, financiada pelo programa Mais Educação do Governo Federal. O grupo tem como regentes Rodrigo Carvalho, conhecido como Bigão, e Jaqueline Nascimento. Ambos estudaram na escola e hoje estão à frente do grupo formado por 89 alunos e ex-alunos. Rodrigo explica que a fanfarra é a única em toda a região de Parelheiros e “sempre se apresenta em eventos locais e nas comemorações municipais do sete de setembro”. Na abertura da sessão, o grupo fez uma apresentação com cerca de 40 de seus integrantes.

(Créditos: Carlos Rizzo) Fanfarra, formada por 89 integrantes entre alunos e ex-alunos da escola apresentou suas principais marchas
(Créditos: Danilo Ramos) Grupo de Fanfarra da Escola Estadual Prof. Joaquim Alvares Cruz

A comunidade marcou presença no evento. Não sobrou cadeira vazia. Muitos vieram de longe, cerca de 10, 15Km, para ver pela primeira vez uma sessão de cinema. Sideilde Aparecida Chagas, 34 anos, conhecida como Preta, trouxe os oito filhos. A mais velha, Ketheleyn, 19 anos, ajudava a mãe a cuidar do mais novo, Otávio Augusto, 7 anos. Preta conta que mora no bairro há 11 anos e trabalha em Santo Amaro. “Estou adorando. É a primeira vez na vida que eu faço um programa de lazer com todos os meus filhos”, comemora. Já Silvia Santos de Oliveira, 48 anos, juntou a família, 11 pessoas entre filhos, genros e netos, para ir pela primeira vez ao cinema. Sua filha Patricia Santos Calunga, 27 anos, mãe solteira de Emilly, Gabriel e Ana Beatriz, aprovou a atividade: “aqui não tem nada, nem cultura, nem lazer. As crianças têm oportunidade de conhecer o que é isso”. Já Maria dos Santos Neves, 64 anos conta que na juventude, quando teve oportunidade, nunca foi ao cinema. “Agora, sozinha, não vou mesmo. Minha vizinha, Geja, que me convidou. E estou adorando”.

(Créditos: Carlos Rizzo) Sandra e os filhos Gabriel, Emilly e Ana Beatriz (colo). Atrás, a mãe, Silvia, todos pela primeira vez no cinema

Para o idealizador do Cine B, o ex-deputado e atual diretor do Sindicato dos Bancários, Luiz Cláudio Marcolino que esteve na acompnhado da diretora Fernanda Reis, nesses oito anos o projeto foi testado e aprovado e tem se consolidado cada vez mais na cidade. “Além de levar o cinema nacional, o Cine B integra a comunidade local, juntando escola, igreja e movimentos sociais”, avalia. Para Fernanda, o Cine B tem oferecido filmes que colaboram no processo educativo, mas o que vale a pena é ver a “alegria, a integração das pessoas. Isso é o começo de tudo para melhorar o mundo”, finaliza.

(Créditos: Carlos Rizzo) Cidálio, Nega Fu, Edna, Luiz Cláudio e Fernanda
(Créditos: Carlos Rizzo) Professores da escolar compareceram à sessão. Na foto ao lado do cartaz do filme na entrada da escola

Após a sessão, quem entrou em cena foi a Liga do Bem, grupo formado por estudantes de história de Osasco que se fantasiam de personagens como Chapeuzinho Vermelho e super-heróis como Batman, Hulk e Homem de Ferro, para brincar com as crianças e distribuir doces. Eduardo Ortega conta que o objetivo do grupo, que esteve no evento a convite de Cidálio Santos, coordenador do Cine B, “é levar apoio emocional e inclusão social”, por onde passa. Foi a primeira vez que a Liga esteve numa sessão do projeto.

(Créditos: Carlos Rizzo) Liga do Bem, formada por estudantes de história de Osasco, levando diversão e solidariedade às comunidades carentes
(créditos: Danilo Ramos) Até a próxima sessão!

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O Cine B é um projeto que tem como missão a formação de público para o cinema brasileiro. Criado em 2007 pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região em parceria com a Brazucah Produções, já realizou mais de 350 sessões de cinema por toda a cidade de São Paulo, Osasco e Região, exibindo mais de 60 filmes brasileiros entre longas e curtas-metragens para cerca de 43 mil pessoas. Conta com o apoio de mídia da edição brasileira do Le Monde Diplomatique.

www.facebook.com/cinemabrasileiro

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