Ativistas, estudantes e sindicalistas lotam sub-sede Paulista para pré-estreia de Pureza

Auditório da Regional do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região teve noite de comemoração de aniversário de 99 anos e de 15 anos do CineB Solar com relatos emocionados de trabalhadores do movimento de moradia, universitários e parceiros de longa data do projeto

Texto e fotos por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá, da MediaQuatro

A pré-estreia oficial do premiadíssimo filme Pureza (veja aqui mais informações), dirigido por Renato Barbieri com produção de Marcus Ligocki, no último dia 19 de abril foi tão bonita e emocionante que mereceu até elogios da protagonista da fita, a atriz Dira Paes. E não foi pra menos! Afinal, a película que conta a história real de Pureza Loyola, a mãe que forçou o governo brasileiro a fazer montar uma força-tarefa contra o trabalho análogo à escravidão para libertar milhares de pessoas está há dois anos tentando estrear no país e só vai passar no circuito comercial a partir de 28 de abril. Mas quando a produção soube da ideia de passar gratuitamente a fita para alunos do CIEJA de Perus (veja matéria aqui) e no aniversário do Sindicato, não pensou duas vezes e até filmou vinheta com o diretor apresentando o filme especialmente para o CineB Solar.

Público assiste a depoimento do diretor de Pureza, Renato Barbieri, sobre a importância do filme e o prazer da pré-estreia pelo CineB Solar

Mais de uma hora antes do início da sessão, dezenas de pessoas com passaporte vacinal e máscara (porque a pandemia não acabou, apesar do que diz o governo) já aguardavam na porta da Regional, como pode ser visto no belo vídeo produzido por Murilo Campos Durães: https://www.instagram.com/reel/CcrlXoYlDt0/?igshid=MDJmNzVkMjY=

Público estava ansioso para ver o filme que há dois anos esperava uma exibição no Brasil

Os ingressos foram solicitados com antecedência e a máscara e passaporte vacinal foram obrigatórios, até a hora de comer a pipoca, claro…

Na hora de começar o filme, não ficou uma única cadeira vazia

Após a sessão, vários espectadores fizeram questão de dar seus depoimentos. Um dos mais emocionantes foi o de Shirley Matos dos Santos, que trabalhou muito tempo em fazendas de pimenta em sistema semelhante, de quase escravidão. “Deus foi tão bom comigo! Eu digo que foi Deus que me tirou dali. Hoje eu dou graças a Deus que estou aqui e tenho um emprego com carteira assinada”.

Shirley conheceu na pele a exploração do trabalho no campo

“Nós tínhamos que andar três quilômetros pra ir trabalhar. Era muito difícil. Às vezes a gente tinha que ir com febre porque lá eles não entendem que você adoece. Você tem que estar sempre pronto a trabalhar. Quantas vezes a gente trabalhou pra ganhar R$ 10 por dia. Essa era a nossa diária. E eu tinha que ir porque essa era a única forma de sustentar as crianças. Hoje eu vejo que era uma escravidão, bem como nesse filme. Mas a gente vivendo lá, não via. Achava que era só a realidade, a única porta que abre, o único jeito de viver. Mas vendo esse filme eu vi a minha realidade”, conta Shirley. “E eu levava as crianças pra trabalhar comigo, ou vocês acham que eles diziam que criança não podia trabalhar? Não tinha essa. A gente tinha que dar conta de hectares de pimenta, senão não recebia nem os R$ 10, nem um prato de comida, então levava as crianças pra ajudar. Um dia tive que andar 18 km até o hospital carregando minha filha porque ela teve meningite. Eu pedi pro patrão levar de carro e ele disse que não levaria, se eu quisesse, tinha que ir andando.

Quantas vezes

Outro que viu de perto a realidade retratada na película, mas felizmente nunca teve de trabalhar sob circunstâncias semelhantes, foi o paraense Manoel Francisco da Silva Cardoso. “Até me perguntaram aqui porque eu não tava no filme”, brincou.

Cardoso é paraense e conheceu personagens, atores do filme e pessoas que passaram por essa situação

“Eu senti isso na pele. O próprio Padre Flávio, que aparece no filme, eu conheci, assim como conheço a Dira Paes porque eu sou de Abaetetuba e ela também é da mesma cidade, que fica a 100 km de Belém. Várias vezes ela já deu palestras pra gente mesmo aqui em São Paulo onde estou há 14 anos e faço parte de um grupo de dança e cultura paraense Carimbó Pai D’Égua”, contou Cardoso. “O filme emociona bastante porque eu conheço Marabá, a cidade onde aconteceram algumas cenas. Eu fui também em vários enterros de trabalhadores e trabalhadoras que morreram nessa época, assim como hoje também estão morrendo. Quem tem acompanhado o noticiário sabe quanto o garimpo ilegal atualmente tem matado gente. Minha terra é muito bonita, mas o Sul do Pará, essa parte que a fita mostrou, é terrível porque o progresso chegou mas os trabalhadores e trabalhadoras continuam sendo ainda escravizados.

Cardoso estava com um grupo grande de pessoas levadas para a sessão pelo Paulo Araújo Lima

Já Maria de Fátima dos Santos, integrante da coordenação da Associação dos Movimentos de Moradia da Região Sudeste de São Paulo, por sua vez, optou por exaltar a força da mulher trabalhadora brasileira para mudar a realidade do país. “Vamos falar NÃO à escravidão e VIVA aqui às mulheres de luta por essa conquista! Porque com tantos homens escravizados, foi preciso uma única mulher, tão bem interpretada por Dira Paes, conseguir salvar todos eles e tirá-los da escravidão. Então VIVA A MULHERES!!!”

Maria de Fátima exaltou a força da mulher trabalhadora brasileira

Além do movimento de moradia da zona Sudoeste, também esteve presente o pessoal da Associação dos Moradores da Vila Rica, levados pela presidenta Bia Moreno, de camisa preta no centro da foto

Quase 20 estudantes do curso de Jornalismo da FAM Centro Universitário, levados pela professora Cláudia Cruz de Souza, ficaram juntos de um lado da plateia. Para ela, a exibição foi uma verdadeira aula, afinal o noticiário não pode viver somente de dor, violência e escândalo político.

A professora Cláudia Souza levou uma turma empolgada para acompanhar a pré-estreia

“A gente pega o assunto e filme e discute como isso afeta o mundo do jornalismo. A gente tem trabalhado muito a humanização jornalística, porque não é só de notícias ruins que a gente pode viver, temos que dar notícias boas porque isso traz esperança para o povo. O trabalho realizado pela Pureza Loyola, a personagem real do filme, é um trabalho de esperança”, disse a professora. “O jornalismo humanizado é um jornalismo que mostra as causas dos problemas e que conta as histórias das pessoas, não só as desgraças, mas também as conquistas, as vitórias, que a gente torce que ocorram não só no Brasil, mas em todo o mundo. Então a gente fica feliz de ver a sessão cheia de estudantes, de trabalhadores, de pessoas que precisam de ajuda, nem se que seja só para ouvir suas histórias”.

Sua fala foi acompanhada pela estudante Cássia Fernandes Péres, que afirmou ter se emocionado com o filme. “É importante a gente perceber que às vezes não precisamos ficar vendo o que ocorre do outro lado do mundo, numa guerra ou coisa assim. Aqui mesmo no Brasil estão acontecendo fatos que precisam ser expostos e eu com certeza quero fazer esse tipo de jornalismo”.

A professora Cláudia enviou foto da turma reunida antes da sessão

Isaura Leite ressaltou a qualidade do filme e a importância de nos mantermos atentos à democracia e às formas atuais de exploração do trabalho

A cinéfila Isaura Maria Ribeiro Leite também prestigiou a sessão e destacou as atuações e a temática do filme: “cinema brasileiro é DEZ e a atuação da Dira Paes nesse filme é magnífica. Agora, esse filme é mais que isso. Ele revela um Brasil profundo, um Brasil que a gente precisa conhecer, a gente não pode dourar a pílula. A gente não pode deixar de ler nas entrelinhas onde tem exploração no nosso dia a dia. A gente não pode achar que isso não se repete no dia a dia nosso. Aí a gente tava vendo: o presidente da época era do Fernando Henrique Cardoso. Já era uma democracia, já era um governo democrático, já era um governo ‘de justiça social’ e a coisa continuava. Então, a gente tem que continuar de olhos muito abertos para o que acontece hoje com a precarização do trabalho, como a gente se submete a trabalhos quase inumanos, que é outra maneira de escravidão. Por isso precisamos estar alertas, estudando, brigando pelos nossos direitos e reunindo as forças, que foi o que a Pureza fez”.

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